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A recuperação, segundo o BC

O crescimento em 2021 dependerá de algumas variáveis, entre elas o compromisso do governo com a responsabilidade fiscal

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Por Notas & Informações
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A economia brasileira deve encolher 5% neste ano e crescer 3,90% em 2021, segundo as novas projeções do Banco Central (BC), incluídas em seu Relatório de Inflação, um balanço trimestral das condições e perspectivas econômicas. O quadro é menos sombrio que aquele apresentado em julho, mas a incerteza continua “acima da usual”. Apesar da insegurança, as estimativas do relatório são mais animadoras, pelo menos por enquanto, que as do mercado. De acordo com a pesquisa Focus divulgada há uma semana pelo BC, a mediana das projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) aponta contração de 5,25% em 2020 e aumento de 3,50% no próximo ano. Essa pesquisa reflete as avaliações de cerca de cem instituições financeiras e consultorias.

Mesmo com expansão de 3,90%, a economia brasileira terminará 2021 sem ter voltado ao nível de produção de 2019. Quanto a isso, o Relatório de Inflação coincide com os estudos publicados por várias instituições nacionais e internacionais. Depois de 20 meses de recuperação, o Brasil ainda estará tentando sair do buraco onde afundou em março e abril deste ano. Será essa, também, a condição de quase todos os países – avançados, emergentes e menos desenvolvidos. Mas o otimismo, ou quase otimismo, do BC é condicional.

O crescimento no próximo ano dependerá, segundo o documento, da confirmação de algumas hipóteses. Com o arrefecimento da pandemia, as condições de mobilidade poderão normalizar-se gradualmente, com retorno do consumo aos padrões anteriores à crise. Mas a elevação do consumo deverá estar associada também à melhora do emprego e ao retorno aos padrões de gastos anteriores à covid-19. Enfim, será necessária a confirmação, pelo governo, do compromisso com a responsabilidade fiscal.

Há riscos evidentes, mas o relatório avança sem discuti-los. Não há sequer uma coordenação nacional dos programas de reabertura das atividades. Qualquer precipitação poderá agravar as condições sanitárias e forçar um retrocesso, como tem ocorrido em países da Europa e em regiões dos Estados Unidos. Em segundo lugar, é difícil apostar numa recuperação significativa do emprego.

Com cinco meses de reação econômica, o mercado de trabalho permanece em más condições, com desocupação próxima de 13%. O quadro seria mais feio, estatisticamente, se mais pessoas tivessem retornado à força de trabalho e buscassem uma vaga.

Com a redução do auxílio emergencial, a retomada pode perder impulso. Essa é a expectativa indicada no documento. “Para o último trimestre do ano, a partir de quando vigora incerteza acima da usual sobre o ritmo da recuperação, espera-se arrefecimento da taxa de crescimento, associado, em parte, à diminuição da transferência de recursos extraordinários às famílias”. Não se manterá, segundo o BC, o vigor do terceiro trimestre, maior que o esperado.

Apesar disso, o relatório mantém a hipótese de melhora na situação do emprego, apontada como uma das condições para o avanço econômico de 3,90% no próximo ano.

Segundo o BC, a produção geral da indústria deve encolher 4,7% em 2020 e aumentar 4,5% em 2021. Os serviços devem diminuir 5,2% e depois crescer 3,7%. Somente a agropecuária deve avançar nos dois anos, com taxas de 1,3% e 3,4%.

O principal motor deve ser o consumo das famílias, com expansão de 5,1% depois da redução de 4,6% neste ano. Embora o balanço final deva mostrar um recuo em relação a 2019, o consumo familiar tem puxado a retomada a partir de maio. O avanço em 2021 dependerá em boa parte, como indica o relatório, da melhora do emprego. Essa melhora é essencialmente uma aposta otimista.

A exportação de bens e serviços deverá crescer 4,9%, superando de longe o aumento estimado para as importações (0,2%). Como sempre, o comércio externo será liderado pelo agronegócio, mas a indústria, segundo o relatório, também deverá vender mais. Isso dependerá da recuperação de mercados vizinhos. Não se discute esse ponto, assim como nunca se aponta, no documento, a falta de um plano de recuperação desenhado pelo governo.