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A segurança pública em 2021

Especialistas temem os efeitos da reorganização do narcotráfico e da politização das PMs.

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Por Notas & Informações
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Desde que a greve da Polícia Militar (PM) do Ceará, no primeiro semestre do ano passado, foi insuflada pelo presidente Jair Bolsonaro, entidades especializadas em segurança pública não escondem o temor de que esse problema volte a se repetir em várias unidades da Federação em 2021. Não é só a conversão da população em refém de reivindicações corporativas que as preocupa. Essas entidades também avaliam o que poderá acontecer caso os governos estaduais percam o controle de suas Polícias Militares.

A advertência mais contundente partiu do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma organização não governamental criada no começo da década de 2000. Financiado pelas Fundações Ford, Tinker e Open Society, ele é integrado por cientistas sociais, gestores públicos, delegados federais, militares e operadores jurídicos. Para a entidade, se os membros das PMs continuarem usando demandas salariais com o deliberado objetivo de se fortalecer no plano político-eleitoral, os efeitos institucionais e sociais dessa estratégia poderão ser desastrosos. Neste momento, como tem afirmado em artigos e entrevistas o presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima, que também é professor da FGV, as PMs “estão abandonadas à própria sorte e, ao mesmo tempo, sem nenhum controle. E se não tem polícia, tem crime, tem mais violência”, diz ele.

Um dos pontos para o qual chama a atenção é o fato de que, nos Estados em que as PMs exorbitaram ao se mobilizar politicamente para fazer prevalecer reivindicações corporativas, a violência aumentou de modo significativo em 2020. Segundo Renato Sérgio, 7.258 policiais se candidataram nas eleições municipais de 2020 – um número muito alto. “Qualquer pessoa com cargo público precisa se desincompatibilizar até abril do ano de uma eleição, mas um policial pode ficar no cargo até a confirmação pela convenção partidária em agosto. Enquanto o membro do Ministério Público ou da Justiça precisa pedir demissão para tentar se eleger, um policial que perde a disputa pode voltar à corporação. São regras que criam distorções e não separam claramente a polícia e a política.” Renato Sérgio tocou num privilégio que membros da PM consideram intocável.

A politização das PMs e as dificuldades que os governadores enfrentam para controlá-las tendem a agravar os problemas de segurança pública. Apesar da pandemia, no primeiro semestre de 2020 os homicídios aumentaram em 7% e a estimativa é de que devem crescer ainda mais no primeiro semestre de 2021, prevê o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Esse crescimento decorre, basicamente, da reorganização do narcotráfico.

Como a política de isolamento social desvalorizou os pontos de venda próximos de áreas comerciais e de lazer, as quadrilhas passaram a disputar a bala pontos mais próximos de áreas residenciais. “Não existe vácuo de poder”, lembra Renato Sérgio. Se uma organização criminosa se fragiliza, como é o caso do PCC, cujas lideranças estão isoladas em presídios de segurança máxima e seu principal fornecedor de drogas foi preso em Moçambique, outras facções vão tomando seus espaços à força.

Além disso, com a redução dos voos comerciais, a droga que entrava e saía do Brasil passou a ser transportada por rodovias, exigindo assim maior atuação da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal e coordenação mais eficiente com os serviços de inteligência dos órgãos policiais estaduais. O problema está na dificuldade que o governo Bolsonaro – que pouco fez no setor em 2020, como lembra Renato Sérgio – tem para promover negociações com entidades federativas. “Políticos como Bolsonaro vendem promessas impossíveis em um Estado Democrático de Direito”, lembra o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Como muitos governadores sabem disso e são responsáveis, eles não se deixam pressionar pelas pressões presidenciais, o que leva o presidente da República a tentar esvaziar a autoridade dos chefes dos Executivos estaduais sobre as PMs. É por isso que os especialistas em violência estão céticos com o que possa ocorrer com a segurança pública em 2021.