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A sensatez da AGU

Decisão da AGU de não recorrer em 50% das ações previdenciárias tem um impacto positivo no âmbito do Poder Judiciário

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Por Notas & Informações
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Por causa da divulgação do saldo dos cem dias do governo do presidente Jair Bolsonaro, passou despercebida da opinião pública uma importante iniciativa tomada, na mesma semana, pela Advocacia-Geral da União (AGU). Trata-se da decisão de desistir de recorrer em 50% das ações previdenciárias que tramitam no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). Pelas estatísticas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem atualmente cerca de 6 milhões de ações previdenciárias tramitando nas diferentes instâncias do Poder Judiciário.

A justificativa para essa decisão foi de ordem jurídica e econômica. Do ponto de vista jurídico, a derrota judicial nesses processos já era considerada como certa, em função da jurisprudência firmada tanto pelo STJ – que é a última instância da Justiça Federal – quanto pelo Supremo contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Entre os casos em que a jurisprudência é favorável aos segurados desse órgão estão os relativos à inclusão de tempo de contribuição que não consta do extrato previdenciário (Cnis), mas consta na carteira de trabalho. Nessa jurisprudência também estão os casos das ações de aposentadoria especial, aquelas em que o Supremo reconheceu o direito do segurado de dar entrada no benefício mais cedo, por trabalhar exposto a fatores nocivos à sua saúde. Estão, ainda, as ações sobre readequação do teto previdenciário referente ao período entre a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, e a criação da lei que rege a Previdência Social, em 4 de abril de 1991. Os benefícios concedidos nessa época sofreram limitações em seus reajustes. Muitos aposentados com benefícios concedidos após 1991 também não foram contemplados nas revisões do teto do INSS entre 1998 e 2003. Acolhendo uma ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal, o Supremo determinou que o valor dessas aposentadorias fosse revisto.

Deste modo, como a União não teria qualquer possibilidade de vitória em casos como esses, do ponto de vista jurídico de nada adiantaria a apresentação de mais recursos judiciais nas duas Cortes. Pelo contrário, isso apenas acarretaria mais gastos para o governo, do ponto de vista econômico. Afinal, quanto mais tempo demorasse o julgamento dessas ações em caráter definitivo, maiores seriam os valores da correção monetária e dos juros com que a União teria de arcar. “Na maior parte das vezes, o INSS recorre sabendo que, depois, terá de conceder o benefício. É um prejuízo para os segurados e para o próprio órgão”, diz Tônia Galleti, consultora jurídica do Centro Nacional dos Aposentados e Pensionistas (Centrape).

Além disso, a desistência de recorrer nesses casos permite à AGU poupar despesas com atividades administrativas e com emolumentos, por exemplo. E, como o órgão afirmou em nota, essa medida também possibilitará aos seus advogados concentrar o trabalho nas ações previdenciárias em que “é possível demonstrar o acerto da atuação do INSS”. Na mesma nota, o órgão afirmou ainda que não haverá “desistência ou reconhecimento de procedência de outras teses jurídicas que não aquelas que já foram objeto de decisão do STJ e do STF”.

Por fim, a decisão da AGU de não recorrer em 50% das ações previdenciárias tem um impacto positivo no âmbito do Poder Judiciário. O total de recursos em ações previdenciárias é o maior responsável pelo congestionamento de processos nas instâncias superiores da Justiça Federal. Cerca de 40% da demanda nos Tribunais Regionais Federais (TRFs) diz respeito a litígios com o INSS. Assim, a iniciativa da AGU ajuda a descongestioná-los, permitindo, como consequência maior agilidade na tramitação dos processos. Em média, as ações previdenciárias demoram sete anos para serem julgadas. Como esse é um tempo longo, e que colide com o preceito constitucional da “razoável duração do processo”, a iniciativa é sensata e vem em boa hora.