Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A sociedade e o Supremo

Decisões judiciais não estão livres do escrutínio público, mas têm de ser respeitadas para nos livrar da barbárie

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
Atualização:
2 min de leitura

O julgamento do mensalão, em 2012, trouxe o Supremo Tribunal Federal (STF) para o cotidiano dos brasileiros. A partir de então, a notoriedade da Corte Suprema e dos 11 ministros que a compõem atingiu um patamar sem precedentes em sua história centenária. Acalorados debates acerca das decisões do STF, antes circunscritos ao meio jurídico, hoje são comuns nas ruas, escolas, universidades, empresas e, em especial, nas redes sociais. Não surpreenderá mais ninguém caso um cidadão seja capaz de citar os nomes dos 11 ministros do STF com a mesma desenvoltura com que cita os nomes dos jogadores do seu time de futebol.

Nada de mal há nessa aproximação da sociedade com o órgão que é a expressão máxima da Justiça no Brasil. Muito ao contrário, é uma proximidade institucionalmente saudável. Afinal, os mais graves temas nacionais, quase sempre, acabam no Plenário ou em uma das duas Turmas do STF. Decisões da Corte Suprema, colegiadas ou monocráticas, ditam a direção do País naquilo que tocam.

É compreensível, portanto, que a pressão da sociedade sobre os 11 ministros do Supremo tenha aumentado significativamente nos últimos anos, seja fruto da publicidade das sessões da Corte, proporcionada pela TV Justiça, seja motivada pelo pendor midiático de alguns de seus ministros. Fato é que, sempre que o STF se debruça sobre casos ou temas que aguçam o interesse público – quando não as paixões –, é natural que, dentro das regras democráticas e dos limites da civilidade, os cidadãos, individualmente ou em grupos organizados, manifestem-se ordeiramente, com a liberdade que a Lei Maior assegura a todos.

O que não seria natural é o STF se deixar levar por pressões outras que não o peso da Constituição e das leis. Sobretudo quando essa pressão é exercida por meio de ameaças, veladas ou explícitas, à Corte, aos ministros ou ao País.

Agora, o STF está às voltas com o julgamento de três ações que tratam da execução da pena após a condenação em segunda instância. O tema é um dos que despertam paixões, inclusive em virtude da notoriedade de alguns réus alcançados pela decisão, entre eles o ex-presidente Lula da Silva.

Um grupo de caminhoneiros partidários do presidente Jair Bolsonaro exacerbou essas “paixões” e divulgou uma série de vídeos ameaçando o País com novas paralisações caso o STF reveja sua jurisprudência sobre o tema e, assim, permita a soltura de Lula da Silva. Fará muito bem o presidente Bolsonaro se usar a influência que tem sobre o grupo, que tão útil lhe foi na eleição, para arrefecer os ânimos. 

“Se vocês soltarem tudo que é ladrão (sic), principalmente o maior de todos eles, o Lula, vocês vão ver a maior paralisação que este país já teve. Fica esperto, Toffoli”, disse um caminhoneiro identificado como “Marcão”, dirigindo-se ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli. “Já viram caminhão subindo rampa? Isso não é um recado, não. É uma promessa”, ameaçou outro caminhoneiro. Evidente que boa parte dessas mensagens não passa de bravatas. Por prudência, órgãos de segurança e inteligência dos Poderes Executivo e Judiciário já atuam para separar ameaças sérias de meros arroubos. De qualquer forma, o País conhece bem a truculência de alguns grupos de caminhoneiros. Impressiona o desembaraço com que ameaçam o País quando lhes convém.

Espera-se que os ministros do STF mantenham a jurisprudência da Corte no sentido de autorizar o início da execução da pena após condenação em segunda instância, mas pelas razões constitucionais que a consubstanciam, e não pela imposição truculenta da vontade de grupos que se julgam capazes de fazer reféns a Nação e os Poderes constituídos.

O Direito é o pacto por meio do qual os cidadãos vivem em harmonia, não necessariamente em concordância. Por meio do Direito, abolimos a força bruta como método de resolução de conflitos. As decisões judiciais não estão livres do escrutínio público, mas têm de ser respeitadas por todos para que esse pacto que nos livrou da barbárie se mantenha válido.