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A transição dos prefeitos

A transição civilizada de poder é respeito com o eleitor e zelo pelo interesse público

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Por Notas & Informações
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No regime democrático, os cargos eletivos são necessariamente temporários. Por meio do voto, o eleitor mantém ou muda o grupo político que está no poder – reelegendo o governante, elegendo o candidato da situação ou escolhendo alguém da oposição. A alternância do poder é, assim, elemento natural de toda democracia.

Dessa forma, aceitar a derrota nas eleições faz parte do jogo democrático. Por exemplo, a atitude de Donald Trump, contestando sem nenhuma prova o resultado das urnas, feriu profundamente o espírito democrático. É preciso saber ceder o cargo a quem o povo concedeu a vitória nas urnas.

Mas não basta aceitar o resultado eleitoral. O espírito democrático deve conduzir a uma transição harmoniosa entre as equipes de governo, permitindo efetiva continuidade do cuidado com a coisa pública. Possivelmente o novo ocupante do cargo terá prioridades diferentes das do seu antecessor, como também outro modo de coordenar as equipes, conduzir os projetos, levar adiante as promessas de campanha. Essas naturais diferenças não excluem a necessidade de um trabalho coordenado das duas equipes de governo, assegurando que nenhuma pendência ou urgência seja esquecida no meio do caminho. Seja na esfera federal, estadual ou municipal, um governante sempre tem muitas e grandes responsabilidades. Descuidar delas pode trazer graves prejuízos para a população.

A transição civilizada entre duas gestões não é apenas um gesto de boa educação. É respeito com o eleitor, que concedeu o poder ao eleito. E é também zelo pelo interesse público. A circunscrição administrativa não pode simplesmente parar em razão de uma troca de comando.

Além disso, a transição de poder profissionalmente conduzida é uma exigência da Constituição, que estabelece que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Por exemplo, o governante que não facilita a transmissão do poder ao seu sucessor desrespeita o princípio da impessoalidade. Da mesma forma, o chefe do Executivo – seja o presidente da República, o governador ou o prefeito – não cumpre os princípios constitucionais da eficiência e da moralidade se não trabalha ativamente em prol de uma transição coordenada com a equipe do novo ocupante do cargo. 

Num Estado Democrático de Direito, governar exige constante prestação de contas do exercício do poder aos órgãos de controle, à população e também a quem vai assumir depois o cargo. O exercício do poder público nunca é algo arbitrário, insuscetível de cobrança e controle. E isso envolve transmitir ao sucessor os assuntos pendentes, os possíveis cenários e desafios, os critérios que foram levados em conta nas decisões. Ou seja, a transição de poder não é mera transferência da capacidade decisória, mas comunicação efetiva das circunstâncias envolvidas, bem como, na medida do possível, dos erros cometidos e aprendizados realizados.

Uma transição eficiente do poder não se resume a boas práticas de quem deixa o cargo. O governante eleito tem também papel decisivo na empreitada. Não pode pretender, por exemplo, fazer tábula rasa da gestão anterior. Além de pouco realista, essa atitude é prejudicial ao interesse público. Sempre há pontos positivos a serem mantidos. Bons projetos não devem ser interrompidos por simples troca de partido no poder, assim como levar adiante uma obra em andamento é manifestação de respeito com o dinheiro público investido.

A próxima transição das gestões municipais é uma oportunidade para a população avaliar o modo como os prefeitos, estejam deixando ou assumindo o cargo, tratam o interesse público. O cuidado na transição é essencial para avançar em temas fundamentais como saúde, educação e saneamento. Em quatro anos, pode-se fazer muita coisa, especialmente quando não se desperdiça o que foi feito antes e quando se trabalha com uma perspectiva que vai além dos quatro anos de mandato.