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Aberrações na PEC Emergencial

A mais exótica das medidas é um “bônus” para os funcionários públicos.

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Por Notas & Informações
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No início de novembro o governo apresentou ao Congresso, sob o título de “Plano mais Brasil”, três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que versam sobre contenção de despesas quando a meta fiscal estiver ameaçada (a chamada PEC Emergencial), sobre a distribuição de recursos da União a Estados e municípios (a PEC do Pacto Federativo) e sobre o resgate de recursos de fundos da União para pagar despesas da dívida pública (a PEC dos Fundos).

São medidas que podem ser aprimoradas, mas de um modo geral necessárias para dar prosseguimento ao saneamento das contas públicas. Contudo, fatores reais, como os sinais de retomada da economia, e imaginários, como os supostos protestos populares alegados recentemente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, têm servido de pretexto para que parlamentares e o próprio governo desidratem essas reformas e, não raro, proponham novos privilégios corporativos.

O caso da PEC Emergencial é exemplar. Segundo o Ministério da Economia, o País deve ter em 2020 o menor nível de investimento da série histórica. A fim de reverter esse quadro, o texto original prevê gatilhos de contenção de despesas obrigatórias quando elas excederem 95% da receita. Entre esses mecanismos constam, por exemplo, a proibição de promover funcionários, reajustar salários e criar cargos e verbas indenizatórias; a redução de 25% da jornada do servidor; ou o congelamento da progressão de carreira.

Entre as alterações propostas pelo relator da PEC no Senado, o senador Oriovisto Guimarães (Pode-PR), há medidas positivas, que satisfazem o princípio da equidade, como a inclusão dos políticos – presidente, governadores, prefeitos e parlamentares – na previsão de corte de até 25% da remuneração em caso de emergência fiscal ou a inclusão das verbas indenizatórias (os chamados “penduricalhos”) no teto do funcionalismo público. Em compensação, sob o pretexto de tornar a proposta mais palatável aos parlamentares, há mudanças que amenizam, quando não eliminam, a eficácia dos mecanismos de controle, e outras que criam novos benefícios aos servidores, em prejuízo do bom funcionamento da máquina pública.

Para começar, o parecer prevê que as medidas de ajuste não serão mais compulsórias, mas opcionais para Estados e municípios. O parecer permite que governadores e prefeitos adotem parcial ou totalmente as medidas quando a despesa ficar entre 85% e 95% da receita corrente líquida.

Além disso, como mostrou reportagem do Estado, senadores manobram para excluir da PEC os cortes nas despesas discricionárias – aquelas que podem ou não ser executadas – do Congresso, do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria pública quando houver risco de descumprimento das metas fiscais.

Mas a mais exótica das medidas, sob a mesma justificativa de mitigar resistências à proposta, é um “bônus” para os funcionários públicos. Segundo o parecer, quando as contas fecharem no azul, será possível distribuir até 5% do superávit primário aos servidores.

Premiações desse tipo são comuns na iniciativa privada, para estimular a rentabilidade das empresas. Na administração pública não fazem sentido e põem em risco a qualidade dos serviços prestados e a gestão do patrimônio público. Premiar os funcionários simplesmente por cumprirem suas obrigações é uma aberração, que, na prática, teria o efeito contrário ao que tem na iniciativa privada. Como o poder público não lucra, mas só arrecada, ao invés de estimular os gestores a melhorar a eficiência dos serviços, estimularia-os a cortar investimentos, como em infraestrutura e inovação, a fim de utilizar o excedente para capitalizar seu patrimônio pessoal. Propostas como essa servem de alerta aos eleitores: não se pode relaxar nem por um instante a pressão sobre a gestão pública para corrigir sua cultura patrimonialista, sob o risco de ela reeditar, às vezes de maneira caricaturesca, como neste caso, sua inclinação mais perversa, que é lucrar com o dinheiro do contribuinte.