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Acredite quem quiser

No rol de infortúnios que podem se abater sobre o Brasil, a volta de Renan Calheiros à presidência do Senado - e, portanto, do Congresso Nacional - figura entre as opções mais nefastas

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Por O Estado de S.Paulo
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A presidência do Senado já não seduz mais Renan Calheiros (MDB-AL). No início desta semana, o senador alagoano veio a público para dizer que não almeja o cargo que já ocupou por três mandatos: 2005- 2007, 2013-2015 e 2015-2017. “Olha, não quero ser presidente do Senado. Os alagoanos me reelegeram para ser bom senador, não presidente. Já o fui várias vezes, em momentos também difíceis. A decisão (de indicar o candidato do partido) caberá à bancada, e temos outros nomes”, escreveu Renan no Twitter. Acredite quem quiser. A manifestação do senador seria um refrigério para o espírito dos brasileiros crédulos e genuinamente preocupados com o resgate moral do Senado. No rol de infortúnios que podem se abater sobre o Brasil, a volta de Renan Calheiros à presidência da Casa - e, portanto, do Congresso Nacional - figura entre as opções mais nefastas. Que ele cumpra a própria escrita e não se candidate. Mas acreditar, quem há de? O MDB, de fato, tem outros nomes que podem postular o comando do Senado na próxima legislatura sem que isso represente um compromisso do partido com o atraso e a velha política, perniciosa não porque “velha”, mas porque traz em si um conjunto de práticas intoleráveis no exercício do múnus público que foi rejeitado pelos eleitores no pleito de outubro do ano passado. Há outros partidos com quadros igualmente qualificados para o maior cargo da Câmara Alta. A desejada renovação na política não está restrita ao repúdio a velhos sobrenomes que há décadas mandam e desmandam no Poder Legislativo. Também diz respeito a um novo olhar sobre o exercício da política sob inspiração de um conjunto de valores e práticas altivas e decentes que se opõem diametralmente a tudo o que o senador Renan Calheiros, que responde a mais de uma dezena de processos e inquéritos policiais, personifica. No ano passado, cada Estado elegeu dois senadores. Das 54 cadeiras que estavam em disputa, 46 serão ocupadas por novos parlamentares a partir do mês que vem, o que representa uma impressionante taxa de 85% de renovação. Poucos sinais emitidos pelas urnas são mais eloquentes do que este. O triunfo de alguém como Renan Calheiros na eleição interna da Câmara Alta iria frontalmente contra o estado de ânimo da Nação e representaria a total desmoralização do Senado. Logo o Congresso Nacional estará às voltas com a discussão de uma série de projetos de lei e emendas constitucionais que tratarão de reformas imprescindíveis para o reequilíbrio das contas públicas - a reforma da Previdência é apenas a mais vital delas -, para a retomada do crescimento econômico e a consequente geração de emprego e renda para os brasileiros. Diante de tamanho desafio, é absolutamente temerário que a presidência de uma das Casas Legislativas e a do próprio Congresso estejam a reboque dos humores e dos interesses políticos de Renan Calheiros, um oligarca que já mostrou por seguidas vezes que cuida antes de seus interesses do que dos interesses do País. Renan Calheiros tem história - adere a qualquer governo, ao qual serve até que lhe seja conveniente trocar de bandeira. Num tipo assim só confia quem não tem juízo. Vejamos. Ele, que se aliou ao PT na eleição passada, já fez seus acenos ao governo de Jair Bolsonaro. Recentemente, pôs-se em defesa do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), às voltas com as explicações sobre a movimentação financeira atípica de seu ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz. Mesmo antes da posse de Jair Bolsonaro, o senador alagoano, que apoiou Fernando Haddad, disse que “não poderia antecipar” se faria oposição ao então presidente eleito. “Você não pode se colocar indefinidamente num campo político. Dá para se fazer muita coisa sem rótulos”, disse ele após a sessão do Congresso que celebrou os 30 anos da Constituição, em novembro. O tempo da maleabilidade moral e política do senador Renan Calheiros não tem cabimento num Congresso que fez o possível para demonstrar que a política é assunto sério para homens e mulheres de bem.