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Amadorismo

Jair Bolsonaro julga que sua tarefa inclui abarrotar o Congresso de decretos, MPs e PECs sem definir prioridades e sem negociar

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Por Notas & Informações
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Em sessão conjunta na quarta-feira passada, o Congresso derrubou nada menos que 7 de 11 vetos apostos pelo presidente Jair Bolsonaro a projetos de lei. E é possível que, na semana que vem, outras dezenas de vetos tenham o mesmo destino. Segue, assim, a toada de um governo que se recusa a organizar uma base parlamentar capaz de sustentar as iniciativas de interesse do Palácio do Planalto.  Ao final do primeiro ano do mandato, está cada vez mais claro que o Executivo, sob Bolsonaro, está se tornando progressivamente irrelevante na definição da agenda política nacional, o que é um fenômeno exótico em se tratando de um regime presidencialista – e potencial gerador de incertezas para investidores e cidadãos em geral.  Tem sido comum que medidas adotadas pelo governo que afetam a vida de pessoas e empresas sejam derrubadas ou simplesmente caduquem por falta de empenho do presidente em sustentá-las no Congresso, causando transtornos e, no limite, descrédito. E, como se sabe, o pior que pode acontecer ao Estado é a anomia – ou seja, a condição em que a autoridade estatal não é mais reconhecida pelos cidadãos, seja porque estes se convenceram de que a lei não é para todos, seja porque a barafunda legal os impede de saber o que vale e o que não vale. Este último é precisamente o caso do governo de Bolsonaro, uma usina de medidas que, não raro, não valem o papel em que estão escritas. Muitas dessas decisões, é bom que se diga, não deveriam mesmo prosperar, quer porque seriam prejudiciais ou inúteis ao País, quer porque eram simplesmente ilegais. Outras, no entanto, deveriam ser mantidas, como o veto presidencial à permissão para que parlamentares aumentem o quanto quiserem o fundo eleitoral, destinado a financiar campanhas. Essa permissão está na minirreforma eleitoral aprovada em setembro passado. Ao derrubarem o veto de Bolsonaro, os parlamentares se deram o direito de definir o valor do fundo eleitoral já para o pleito do ano que vem – e há líderes partidários que pretendem fazer o montante chegar a R$ 4 bilhões, ante R$ 1,7 bilhão na eleição do ano passado. Ou seja, a excrescência de um fundo público destinado a bancar campanhas eleitorais não só foi mantida, como terá seu já bilionário valor multiplicado por dois – ou até mais, a depender da sanha de partidos que, por sua gritante irrelevância como representantes de legítimos interesses da sociedade, não conseguem convencer os eleitores a financiá-los, como deveria ser. O mais espantoso é que o veto do presidente Bolsonaro foi derrubado com a ajuda dos próprios governistas, segundo informa reportagem do Estado. E não foi a primeira vez que isso aconteceu – basta lembrar que em diversos momentos da tramitação da reforma da Previdência, por exemplo, alguns parlamentares alinhados ao governo atuaram como se fossem da oposição. Não se pode culpá-los, pois até o presidente Bolsonaro manifestou reticências sobre a reforma e defendeu a manutenção de privilégios previdenciários de algumas corporações. Hoje, é impossível saber qual é a base do presidente no Congresso, pois nem mesmo partido político Bolsonaro tem, já que recentemente deixou o PSL, pelo qual foi eleito. Também não se sabe quem se responsabiliza pela articulação política, pois o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, suposto coordenador da base, é visto como omisso – e, como agora, frequentemente é alvo da ira de parlamentares por descumprir as promessas que faz, em nome do governo, em troca de votos. O presidente Bolsonaro dá a esse amadorismo o nome de “nova política”. Julga que sua tarefa inclui abarrotar o Congresso de decretos, medidas provisórias e propostas de emenda constitucional sem definir prioridades, esperando que os parlamentares os aprovem simplesmente porque é isso o que o presidente da República espera, sem necessidade de negociação. Por ora, há um alinhamento das lideranças do Congresso com alguns dos principais pontos da agenda econômica de Bolsonaro, mas hoje está claro que se trata de mera coincidência. Se o presidente Bolsonaro pretende governar de verdade, é melhor que mostre disposição e talento para isso.