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Apoio para quê?

Bolsonaro recorre à 'velha política' na relação com Congresso para obter apoio em iniciativas de caráter pessoal

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Por Notas & Informações
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O Estado informa que o governo federal quer receber apoio firme no Congresso em troca de cargos nos Estados e da liberação de verbas para o pagamento de emendas parlamentares. O ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, negou que essas negociações sejam uma reedição do conhecido “toma lá dá cá” que marcou a relação do Executivo com o Congresso nos últimos governos. Ramos pediu aos parlamentares que evitassem cobrar publicamente a liberação de emendas, para não “pautar” a imprensa sobre as suspeitas de fisiologismo. 

Noves fora o contorcionismo retórico, o fato é que o presidente Bolsonaro avalizou uma prática que muito se assemelha às da “velha política”, que ele havia prometido encerrar. Diante das notórias dificuldades para arregimentar votos, Bolsonaro decidiu, digamos, “premiar” os parlamentares mais fiéis, que demonstrarem disposição de apoiá-lo em todas as suas iniciativas.

A falta de uma base governista é, há muito tempo, o principal problema de Bolsonaro em sua relação com o Congresso. Ao confundir qualquer negociação política com corrupção, o presidente reduziu substancialmente sua capacidade de influenciar a agenda parlamentar e o ritmo das votações importantes no Congresso. Como resultado, o governo tornou-se espectador do processo legislativo, tocado exclusivamente pelos líderes do Congresso. Assim é que as principais reformas em tramitação no Congresso estão sendo formuladas praticamente sem participação do presidente. Por esse motivo, é pelo menos alentador que o governo tenha percebido a necessidade de construir uma base mais firme no Congresso para restabelecer o peso do Executivo no debate político, ainda que o meio escolhido para fazê-lo seja moralmente questionável. No entanto, a julgar pelas movimentações políticas dos últimos dias, Bolsonaro está recorrendo à “velha política” não porque esteja interessado em formar uma base para aprovar as reformas de que o Brasil precisa, e sim para ter apoio em iniciativas de caráter pessoal.

Como se sabe, Bolsonaro não está medindo esforços para obter o aval de senadores à indicação de seu filho Eduardo para o cargo de embaixador nos Estados Unidos. Nesse caso, a fatura deverá ser alta, porque é de conhecimento de todos que o deputado Eduardo Bolsonaro não tem o menor preparo para ser embaixador, muito menos nos Estados Unidos, principal posto da diplomacia brasileira. Os senadores que decidirem aprovar o nome do deputado sabem que estarão ignorando seu papel institucional - o de barrar a nomeação de embaixadores despreparados - e serão cobrados por isso.

O governo também está bastante empenhado em impedir a instalação de uma CPI no Senado para investigar o suposto ativismo judicial de ministros de tribunais superiores. Parlamentares que defendem a CPI - inclusive do próprio partido do presidente, o PSL - dizem que o governo quer poupar o Supremo Tribunal Federal depois que este, por iniciativa do ministro Dias Toffoli, suspendeu investigações sobre o caso de movimentações financeiras suspeitas envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, outro filho do presidente.

Foram essas pautas sem importância para o País que fizeram Bolsonaro contrariar promessas de campanha e dar sinal verde para negociações fisiológicas com parlamentares. O esforço para resolver assuntos de interesse familiar é tanto que Bolsonaro cobra não apenas o voto, mas lealdade: os deputados e senadores foram advertidos de que haverá retaliação contra aqueles que falarem mal do governo nas redes sociais. “Creio que o parlamentar tem de ser coerente. Ou está alinhado com o governo ou é contra”, explicou o ministro Luiz Eduardo Ramos. “Inicia-se agora uma nova fase de articulação do governo, que não quer mais namorico. Quer casamento de papel passado”, disse o líder do Podemos na Câmara, José Nelto (MG). Nesse “matrimônio”, os filhos dos cônjuges vêm em primeiro lugar. Enquanto isso, os demais brasileiros, à espera das reformas tão urgentes, permanecem órfãos.