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As consequências do ódio

Mais um assassinato de petista por bolsonarista é resultado da escalada retórica de Bolsonaro, para quem só a ‘raça’ dos ‘brasileiros de bem’ é digna do País; Lula também acirra os ânimos

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Por Notas & Informações
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O assassinato brutal de um petista por um bolsonarista em Mato Grosso, por causa de uma discussão sobre política, renova o temor de que o ódio alimentado por radicais esteja indo longe demais. A julgar pelo comportamento dos dois principais líderes políticos do País hoje, o petista Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, no entanto, o acirramento dos ânimos vai continuar, alimentando a espiral de violência a poucas semanas das eleições.

O presidente Bolsonaro, por exemplo, não havia comentado o caso de Mato Grosso até o início da noite de ontem, mas, em discurso no Tocantins, foi especialmente truculento em relação ao PT e a Lula. Disse que o PT era uma “desgraça” e prometeu “varrer” o partido “para o lixo da história”. Em seguida, deixou claro que, para ele, os que não são bolsonaristas não fazem parte do povo brasileiro: “Nós, brasileiros de bem, (somos) a grande maioria. Somos uma só família, um só povo e uma só raça. Somos, em grande maioria, cristãos aqui no Brasil. Sempre falo: Deus, Pátria, família e liberdade”.

Assim, soubemos pelo presidente da República que há uma “raça” dos “brasileiros de bem”, a única, em sua visão, digna de viver neste país. Os que não fazem parte dessa “raça” que se cuidem – como já havia ficado claro no caso do petista assassinado a tiros por um bolsonarista no Paraná, em julho, violência reafirmada agora nesse terrível episódio de Mato Grosso.

Se Bolsonaro não colabora nem um pouco para acalmar os ânimos de seus camisas pardas, Lula da Silva também não ajuda. A despeito de seus cabelos brancos e do fato de já ter governado o País por dois mandatos, o chefão petista ainda demonstra ter enorme dificuldade para conter seu espírito divisor, sobretudo quando sobe em um palanque. Na noite do dia 8 passado, durante um comício em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o petista renovou a aposta na nefasta divisão dos brasileiros entre “nós” e “eles” ao comparar as manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, ocorridas na véspera, a uma “reunião da Ku Klux Klan”, o terrível grupo supremacista branco dos Estados Unidos.

“Foi uma coisa muito engraçada o ato do Bolsonaro. Parecia uma reunião da Ku Klux Klan”, disse Lula à plateia. “Só faltou o capuz. Não tinha negro, não tinha pardo, não tinha pobre, não tinha trabalhador”, concluiu o petista.

A fala de Lula pode levar ao delírio os seus apoiadores mais devotados, assim como é música para os ouvidos dos bolsonaristas mais empedernidos ouvir o presidente da República se referir a seu principal adversário como “aquele quadrilheiro de nove dedos”. A questão de fundo é: aonde essa retórica raivosa e desagregadora nos leva como Nação? Nada de bom surge no horizonte do País quando lideranças políticas que disputam palmo a palmo a Presidência da República dividem os cidadãos como se fossem membros de facções irreconciliáveis.

O sequestro do Bicentenário pelos interesses privados de Bolsonaro poderia ter sido criticado por Lula de várias maneiras. A menos republicana, sobretudo vindo de alguém que se arvora em estadista e líder de uma formidável coalizão democrática contra o “fascismo”, era atacar as preferências dos eleitores, e não a falta de espírito público de seu adversário.

Mais do que nunca, o País precisa de alguém que una. A sociedade precisa de paz, inclusive para exercer livremente o direito de divergir politicamente. É assim nas democracias. O debate público saudável equilibra bem racionalidade e emoção.

  Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o think tank V-Dem advertiu que o Brasil passava por um momento de “polarização tóxica”, em que as lideranças políticas não colaboravam para criar um bom ambiente de debate público. A bem da verdade, Bolsonaro não é a causa, mas a consequência dessa intoxicação, causada pela húbris lulopetista. Que ambos, Bolsonaro e Lula, ponham a mão na consciência, se é que a têm, e colaborem para desarmar os espíritos, pois sangue derramado por divergência política é intolerável num país que se pretende civilizado.