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As PPPs do setor prisional

Como a legislação mudou, o governo Doria terá menos problemas do que os que o antecederam para implementar a política de privatização

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Por Notas e Informações
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Entre as medidas anunciadas pelo governador João Doria Júnior em seu primeiro mês de gestão, uma das mais polêmicas é a decisão de contratar parcerias público-privadas (PPPs) para administrar quatro presídios que ainda estão em fase de construção, construir mais três estabelecimentos penais com a participação da iniciativa privada e estimular atividades de ressocialização dos detentos por meio de cursos profissionalizantes e instalação de fábricas no sistema prisional. Atualmente, o governo estadual está construindo 12 presídios. Doria, contudo, não anunciou quais seriam entregues à gestão privada. 

A rigor, nenhuma dessas ideias é nova. O trabalho de ressocialização dos presos, em oficinas e unidades fabris nas penitenciárias, por exemplo, vem sendo coordenado há mais de 40 anos por uma fundação vinculada à Secretaria de Administração Penitenciária. A privatização dos estabelecimentos penais foi cogitada pela primeira vez na gestão do governador Fleury Filho, há quase 30 anos. E a ideia de parcerias público-privadas para construção e gestão de cadeias data do governo de Geraldo Alckmin. Essas experiências, especialmente com relação à privatização do sistema prisional, não foram adiante por causa do anacronismo da legislação. Além disso, o plano de construir unidades penais na capital e na Grande São Paulo, na gestão Alckmin, enfrentou o alto custo dos terrenos.

Como a legislação mudou e os novos estabelecimentos penais estão sendo construídos no interior, onde o preço dos terenos é mais baixo, o governo Doria terá menos problemas do que os que o antecederam para implementar a política de privatização do sistema penitenciário paulista. Já há exemplos em outros Estados. As unidades mais novas do Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, foram construídas por um consórcio de empresas e já funcionam no formato de concessão administrativa. O mesmo ocorre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, situado na área rural de Manaus, no Estado do Amazonas.

Com 230 mil presos, 50 mil a mais do que o número de vagas das 186 unidades prisionais, o Estado de São Paulo tem a maior população carcerária do País. A superlotação do sistema e as condições degradantes dos presos foram um dos fatores que levaram ao surgimento, na década de 1990, do Primeiro Comando da Capital (PCC), que hoje é a maior facção criminosa a funcionar no sistema carcerário. 

Com origem nos Estados Unidos, a privatização de estabelecimentos penais, por mais importante que seja para aliviar os vultosos gastos do poder público com o sistema prisional, é uma iniciativa que tem de ser implementada com cuidado. 

Em algumas prisões americanas, onde a transferência da gestão para a iniciativa privada envolveu a formação profissional dos presos e sua inserção no mercado de trabalho após o cumprimento da pena, a experiência deu certo. “Se bem feita, a terceirização significa menos burocracia e mais dignidade para os detentos”, diz a criminalista Elizabeth Sussekind, ex-secretária nacional de Justiça. Em outras prisões com gestão privada, contudo, os planos de contenção de custos e aumento da produtividade das unidades fabris resultaram na exploração do trabalho dos presos e no pagamento de salários aviltantes, provocando tensões e gerando motins. Cortes de pessoal, incluindo agentes penitenciários e guardas, também tornaram inseguras algumas prisões privatizadas. Há dois anos, o Departamento de Prisões divulgou um relatório informando que o número de incidentes e motins nas cadeias americanas foi mais alto nas unidades privatizadas ou com gestão terceirizada do que nas unidades dirigidas pelo poder público. 

Diante disso, se de um lado vale a pena experimentar uma nova política para uma das áreas mais problemáticas da administração pública, de outro é preciso tomar cuidado para evitar que ocorra nos presídios paulistas o que aconteceu com algumas prisões americanas privatizadas.