Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Até tarifas têm uso eleitoreiro

Governo reduz tarifas de importação não para impulsionar a modernização econômica, mas de olho nas urnas

Exclusivo para assinantes
Por Notas&Informações
2 min de leitura

A redução das tarifas de importação é medida indispensável para tornar a economia brasileira mais aberta e integrada à economia mundial e para estimular os produtores nacionais a buscar mais intensamente ganhos de eficiência e produtividade. Mas, apesar de sua abrangência, a decisão do governo brasileiro de reduzir unilateralmente em 10% as alíquotas do Imposto de Importação sobre 87% de produtos e serviços que compõem o universo tarifário tem objetivos bem menos louváveis.

A despeito de correta, a decisão não passa de mais uma tentativa do governo Bolsonaro de conter a inflação que corrói a renda da população e a popularidade já decadente de um presidente da República que só pensa na sua reeleição, além de criar problemas para a atividade econômica e incertezas sobre os rumos do País.

Sua eficácia é, no mínimo, contestável. Dificilmente seu efeito sobre os preços em geral será forte o bastante para que o consumidor o perceba. E um de seus efeitos colaterais pode ser dificultar relações já difíceis do Brasil com parceiros do Mercosul, bloco frequentemente desprezado por Bolsonaro e por seu ministro da Economia, Paulo Guedes.

“A nossa Tarifa Externa Comum ainda é muito elevada”, justificou Guedes. A tarifa externa, conhecida como TEC, de fato é alta, mas ela é a base, ainda que frágil e muito esburacada, da condição de união aduaneira que teoricamente o Mercosul ostenta. Reduzi-la exige o apoio de todos os membros do bloco, o que não foi alcançado pelo Brasil em sua decisão anunciada no dia 5.

O governo brasileiro valeu-se de uma excepcionalidade admitida pelas regras do Mercosul, que prevê a possibilidade de adoção, por um de seus membros, de medidas para a proteção da saúde e da vida das pessoas. Segundo nota conjunta dos Ministérios das Relações Exteriores e da Economia, o recurso a essa medida excepcional é justificado pela “necessidade de poder contar, de forma imediata, com instrumento que possa contribuir para aliviar os efeitos negativos” da pandemia.

Guedes não se deu ao trabalho de buscar argumentos formais para explicar os objetivos do governo. “Num momento como o atual, em que nós temos uma pressão inflacionária forte e gostaríamos de dar um choque de oferta, para dar uma moderação nos ajustes de preços, é o momento ideal para fazer uma abertura, ainda que tímida, da economia”, disse.

Tão grande é a lista de produtos abrangidos pela medida que inclui itens essenciais na mesa do brasileiro, como feijão, carne, massas, biscoitos, arroz, entre outros, além de materiais de construção. Dificilmente, porém, o resultado será um corte de despesas suficiente para aliviar o orçamento doméstico.

Combater a inflação de maneira eficaz implicaria fazer o governo dar uma guinada de 180°, para dar à sua política econômica a confiança de que nunca desfrutou. Assim, por exemplo, o dólar ficaria menos pressionado – e o dólar, associado à alta dos preços internacionais de produtos com grande peso nos gastos domésticos, é uma das grandes fontes das pressões inflacionárias no momento.