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Augusto Aras e a lei

PGR manifesta cuidadoso alinhamento com os interesses de Jair Bolsonaro

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Por Notas & Informações
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No início de julho, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), fez um inusitado alerta. “No desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República”, disse a ministra. O procurador-geral da República, Augusto Aras, não queria dar andamento à investigação contra o presidente Jair Bolsonaro por crime de prevaricação, no escândalo envolvendo a compra da vacina Covaxin, e Rosa Weber teve de lembrar o chefe do Ministério Público da União de qual era seu papel.

Após o alerta da ministra do STF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) reconsiderou o caso e pediu a abertura da investigação contra Bolsonaro. Era o dia 2 de julho. Desde então, aconteceram fatos importantes envolvendo a PGR. No dia 21 de julho, o presidente Jair Bolsonaro propôs a recondução de Augusto Aras ao cargo de procurador-geral da República. O atual mandato termina em setembro. A despeito da abertura de investigação contra o presidente da República por suspeita de prevaricação, a atitude de Augusto Aras tem sido exatamente a mesma: a defesa constante dos interesses do Palácio do Planalto. Nem parece que a função institucional do Ministério Público é a defesa da ordem jurídica e do regime democrático.

Os casos de omissão acumulam-se. Por exemplo, Augusto Aras não viu nenhum problema na manobra orçamentária, revelada pelo Estado, envolvendo as emendas do relator-geral, o chamado orçamento secreto. O parecer da PGR enviado ao Supremo foi contrário às ações dos partidos Cidadania, PSB e PSOL que sustentam a inconstitucionalidade do orçamento secreto.

Em vez de sintonia com a ordem jurídica, Augusto Aras manifesta cuidadoso alinhamento com os interesses de Jair Bolsonaro. O procurador-geral da República defendeu a abertura de templos na pandemia, foi contrário à apreensão do celular do presidente no inquérito sobre interferência política na Polícia Federal, apoiou a pretensão de Flávio Bolsonaro a respeito do foro competente no caso das rachadinhas, defendeu a possibilidade de o governo federal divulgar medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid, relativizou a gravidade de dossiês produzidos pelo Ministério da Justiça contra críticos do governo, entre outros casos.

Especialmente escandalosa foi a atitude do procurador-geral da República no inquérito sobre a organização e o financiamento dos atos antidemocráticos. Não obstante a Polícia Federal ter relatado indícios de crimes, Augusto Aras pediu o arquivamento da investigação que atingia diretamente parlamentares bolsonaristas.

Perante tal conduta, cinco subprocuradores-gerais da República aposentados levaram ao Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) um pedido de investigação contra o atual procurador-geral, Augusto Aras, por suspeita de prevaricação. Entre outros fatos, a representação menciona possível demora de Augusto Aras em adotar providências em investigação sobre o uso da estrutura do governo federal na defesa do senador Flávio Bolsonaro.

“O procurador-geral da República (...) vem, sistematicamente, deixando de praticar ou retardando a prática de atos funcionais para favorecer a pessoa do presidente da República ou de pessoas que lhe estão no entorno”, diz a representação.

No dia 18 de agosto, os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Fabiano Contarato (Rede-ES) apresentaram uma notícia-crime no STF contra Augusto Aras, por suposto crime de prevaricação. Os parlamentares sustentam que o procurador-geral da República tem sido omisso diante do que qualificam de “crimes e arbitrariedades” do presidente Jair Bolsonaro.

Além do necessário andamento dessas investigações, em suas esferas específicas, cabe ao Senado rejeitar a recondução de Augusto Aras à frente da PGR. Não merece o posto quem se mostra tão desconfortável com suas atribuições. O cargo de procurador-geral da República é para servir à lei, e não a outro senhor, por mais poderoso que seja.