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Aula de demagogia

Bolsonaro anuncia generoso aumento para professores só para constranger governadores e prefeitos em ano eleitoral

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Por Notas&Informações
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O presidente Jair Bolsonaro autorizou o reajuste máximo para o piso salarial de professores da rede pública, de 33,2%. O custo para Estados e municípios ficará na casa dos R$ 30 bilhões.

Ninguém discute que a valorização dos professores é um imperativo. Uma remuneração melhor é a base deste processo, mas não é uma panaceia. Além disso, não se regeneram décadas de precariedade com medidas abruptas, mas sim com deliberação, planejamento e execução de políticas sustentáveis, ferramentas inexistentes no repertório bolsonarista.

Um piso nacional é em si inadequado para uma federação como o Brasil. O ensino básico é responsabilidade dos governos regionais, e as condições socioeconômicas e necessidades educacionais variam muito entre eles.

Se o piso já é questionável, tanto pior quando empregado para fins eleitoreiros. Um aumento abrupto dessa ordem é impraticável, e Bolsonaro sabe disso. Mas, em uma tacada, ele tenta recolher cacos de simpatia entre a classe docente e antagonizá-la aos governos regionais.

Estivesse preocupado em financiar a qualificação da educação, o governo teria se mobilizado para robustecer fundos como o Fundeb ou o FNDE. Mas fez o contrário. Em três anos, o Ministério da Educação esteve entre os que mais tiveram recursos bloqueados. O pouco que restou foi mal executado, e muitas vezes nem sequer o foi. Na pandemia, o governo se omitiu em investir na preparação das escolas para a reabertura e, até onde pôde, resistiu a financiar o acesso universal à internet aprovado pelo Congresso.

A ciranda de ministros da Educação, a maior desde a redemocratização, ilustra o descaso. Além de um indicado que, acusado de fraude no currículo, nem sequer foi empossado, os titulares variaram entre a inoperância (como Ricardo Vélez e Milton Ribeiro) e a beligerância (Abraham Weintraub). É o pior dos mundos: asfixia orçamentária, incompetência administrativa e truculência ideológica.

O “apreço desmedido pelas teses polêmicas e desestabilizadoras, pela visão elitista e pelos estereótipos contra universidades, estudantes e professores”, como constatou a presidente do Todos Pela Educação, Priscila Cruz, só contribuiu para desprestigiar o ensino e a classe docente. Igualmente deletéria foi a interdição de debates com setores educacionais e o enfraquecimento de políticas de Estado como a expansão da educação integral ou a Base Curricular Comum. Em 2021, o governo encaminhou ao Congresso uma lista com 34 prioridades. A única relacionada à educação era a regulamentação do homeschooling.

Recentemente, Bolsonaro proclamou que o Enem começa a ter “a cara do governo”. A realidade é muito pior. É a educação como um todo que começa a ter essa cara. Não fosse pela incompetência congênita dos bolsonaristas, a desfiguração a esta altura já estaria consumada. Neste ano, o País terá condições de revertê-la nas urnas. Ainda assim, como em todas as outras áreas, o custo Bolsonaro será alto. Mas, na educação, mais do que em nenhuma outra, ele ainda será pago por longos anos, com juros e prestações escorchantes.