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Barbárie é ativo político de Bolsonaro

Em vez de pedir paz e tolerância, presidente aproveitou crime de Foz do Iguaçu para escalar a provocação com a esquerda. É o vale-tudo do bolsonarismo para manter o País sob tensão

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Por Notas & Informações
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Aos gritos de “aqui é Bolsonaro!”, um agente penitenciário federal bolsonarista invadiu, na noite de sábado, a festa de aniversário de Marcelo Arruda, um guarda municipal filiado ao PT e que concorreu a vice-prefeito de Foz do Iguaçu em 2020, e matou o aniversariante a tiros. Diante do ataque criminoso realizado pelo apoiador do bolsonarismo, o presidente Jair Bolsonaro tinha o dever cívico de solidarizar-se com a família da vítima e, muito especialmente, de condenar e desautorizar toda e qualquer forma de violência contra opositores políticos. 

No entanto, Jair Bolsonaro não fez nada disso. Em vez de promover a paz e defender a liberdade política de todos os cidadãos, como cabe a um presidente da República, preferiu aproveitar o episódio para escalar a provocação contra seus opositores políticos. No Twitter, em vez de condenar veementemente a violência praticada por seu apoiador, Bolsonaro acusou a esquerda de acumular “um histórico inegável de episódios violentos”.

Eis a degradação moral do bolsonarismo. O presidente da República vale-se até mesmo da repercussão causada pelo assassinato de um opositor político para promover sua política eleitoral, num macabro vale-tudo. Não manifestou consternação. Não expressou nenhuma solidariedade com os familiares da vítima. Para Jair Bolsonaro, o crime cometido em Foz do Iguaçu por seu apoiador declarado serviu de ocasião para lembrar que a esquerda é o lado “que dá facada, que cospe, que destrói patrimônio, que solta rojão em cinegrafista, que protege terroristas internacionais, que desumaniza pessoas com rótulos e pede fogo nelas, que invade fazendas e mata animais, que empurra um senhor num caminhão em movimento”.

Ninguém nega que pessoas e grupos de esquerda já recorreram à violência, violando leis e desrespeitando direitos humanos. O ponto é outro. Jair Bolsonaro não dedicou um segundo do seu tempo em distensionar o ambiente, em reconhecer a humanidade de seus opositores políticos, em promover um ambiente eleitoral de paz e de respeito mútuo. E isso é inaceitável. É desumano. É barbárie.

Jair Bolsonaro nega ao outro lado o respeito que seus opositores políticos, todos eles, manifestaram quando foi esfaqueado em setembro de 2018. Nenhum candidato tripudiou sobre a violência sofrida pelo então candidato do PSL. Nenhuma liderança política aproveitou a ocasião para alavancar a candidatura própria. Houve solidariedade. Nenhum partido achou que devia relativizar a gravidade do ataque “lembrando” as atitudes violentas de Jair Bolsonaro ao longo de sua carreira política.

A reação de Jair Bolsonaro deve colocar o País em alerta. Há um presidente da República incapaz de compreender que toda violência é inaceitável. Há um presidente da República que não tem a hombridade de reconhecer um crime de um seu correligionário. Há um presidente da República que enxerga em tudo, até mesmo no assassinato de uma pessoa, uma ocasião adicional para escarnecer seus opositores políticos.

O crime de Foz do Iguaçu chocou o País. Foi a materialização explícita de que a retórica da violência bolsonarista produz consequências reais. Não é humano nem é do jogo democrático fazer política prontificando-se a “fuzilar a petralhada”, como fez Jair Bolsonaro na campanha de 2018. Agora, o presidente alegou que “frases descontextualizadas” não incentivam a violência. Ora, os fatos mostram o exato contrário. Seu discurso explícito de violência não são meras “frases descontextualizadas”. Ao longo de décadas, Jair Bolsonaro vem fazendo uma reiterada defesa do desrespeito agressivo a opositores políticos.

A omissão de Bolsonaro não foi casual. Está perfeitamente alinhada a seu objetivo de manter o País sob uma artificial tensão. Um ambiente de serenidade é prejudicial aos interesses políticos de Jair Bolsonaro. Não por acaso, seus discursos sempre se orientam para o conflito, para a raiva e para o ressentimento, campo onde o presidente se sente em casa, e não para questões de governo e de interesse da sociedade – que, para Bolsonaro, é terra estrangeira. Essa é a grande tragédia do bolsonarismo: para triunfar politicamente, tenta despertar o pior de cada um.