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Bolsonaro bagunça a PF

Interferências na PF são mais graves, mas não são a única ação antirrepublicana do presidente

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Por Notas & Informações
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Um dia antes de aproveitar o carnaval nas praias do Guarujá e promover mais atos de campanha eleitoral antecipada no litoral paulista, o presidente Jair Bolsonaro exonerou o delegado Paulo Maiurino da diretoria-geral da Polícia Federal (PF). Em seu lugar assumiu o delegado Márcio Nunes de Oliveira, que até então era o secretário executivo do Ministério da Justiça. Oliveira é tido como braço direito do ministro Anderson Torres, que, por sua vez, é mais do que um auxiliar direto de Bolsonaro, é amigo do presidente.

Não se sabe exatamente por que o presidente da República, cuja administração é deliberadamente opaca, decidiu trocar o comando da PF pela terceira vez em seu mandato. Márcio Oliveira é o quarto “DG”, como é tratado o diretor-geral da PF nos gabinetes de Brasília, ao longo do governo Bolsonaro. O próprio Maiurino e outros delegados da PF foram pegos de surpresa, como apurou o Estadão.

A portaria publicada no Diário Oficial da União, assinada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), é lacônica. Limita-se a registrar a exoneração de Maiurino e a nomeação de Oliveira. Mas é possível inferir a razão da troca no comando da PF dado o histórico de Bolsonaro: seguramente, ações ou omissões do ex-diretor-geral em relação a temas sensíveis para o Palácio do Planalto incomodaram o presidente. Tanto Bolsonaro como alguns de seus filhos têm contas a prestar à Justiça. E as investigações em curso na PF contra eles podem ser determinantes para o destino do clã.

É sempre bom lembrar que Bolsonaro já disse em alto e bom som que iria interferir na PF, “e ponto final”. E assim ele tem feito, tanto que contra o presidente corre um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) justamente para apurar o grau dessa interferência. Mas não deixa de indignar os brasileiros que ainda nutrem apreço pelos valores republicanos quão desabridas são essas intervenções nas instituições de Estado e a falta de transparência que cerca as movimentações. O caso da PF é especialmente grave por envolver um órgão de segurança, cujas atribuições são muito bem delimitadas pela Constituição, e não uma milícia secreta a serviço do governo. Mas não é o único.

A mudança no comando da PF segue rigorosamente o padrão do atual governo. Bolsonaro trocou ministros da Saúde em meio à pandemia quando estes ousaram não se curvar diante de seus interesses eleitoreiros. O presidente também agiu diretamente para trocar técnicos altamente capacitados em órgãos como o Inpe, o Ibama e o Iphan que prestavam serviço ao Estado brasileiro, e não vassalagem ao mandatário de turno. Há inúmeros outros exemplos.

A República deixa o campo das ideias e se traduz em realidade percebida por meio da autonomia e da estabilidade das instituições de Estado. A autonomia é garantida por lei – e em boa medida foi isso que salvou os brasileiros da sanha destrutiva de Bolsonaro em muitas ocasiões. Já a estabilidade vem da compreensão do governante de que ele passa, mas o resguardo do interesse público é perene. Bolsonaro teria de nascer de novo para compreender isso.