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Bolsonaro lava as mãos

Presidente está fazendo de tudo para se esquivar de sua responsabilidade na reforma administrativa. Ele quer que o Congresso assuma todo o ônus político

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Por Notas e Informações
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O secretário-geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, informou que não é possível dizer quando o governo pretende enviar uma proposta de reforma administrativa para o Congresso. Segundo informações colhidas pelo Estado, a equipe econômica já formulou o projeto, faltando apenas a decisão política de remetê-lo para a apreciação dos parlamentares. O problema, como parece cada dia mais claro, é que o presidente Jair Bolsonaro está fazendo de tudo para se esquivar dessa responsabilidade, provavelmente ante a percepção de que o tema é natural fonte de estresse político, em razão da força do funcionalismo público no Congresso.

Trata-se de um padrão. O governo até se diz a favor das reformas, mas na realidade não se empenha em elaborá-las ou aprová-las – isso quando não as sabota. Foi assim, por exemplo, na acidentada tramitação da reforma da Previdência, que só foi aprovada porque houve genuíno esforço das lideranças do Congresso, enquanto os articuladores governistas mostraram assombrosa incapacidade de se organizar para defender a agenda reformista. Está sendo assim no caso da reforma tributária, cuja proposta do governo, apesar dos discursos sobre modernização e simplificação, ainda não deu o ar da graça, restando ao Congresso agir por conta própria. Os líderes do Senado estão se recusando a indicar os membros da comissão mista do Congresso para discutir a reforma – que deveria ter sido instalada no ano passado – enquanto o governo não apresentar sua proposta. O impasse levou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, a informar que tentaria instalar a comissão nesta semana, e que, se os líderes não indicassem os integrantes, ele o faria.

O presidente Bolsonaro age como se não tivesse nada a ver com as reformas, embora delas dependa, em larga medida, a própria governabilidade. Ao contrário, o presidente já mandou avisar que até aceita fazer uma reforma administrativa, desde que seja “a mais suave possível” e valha somente para os futuros funcionários, não para os atuais. A desculpa é o temor de que uma reforma radical possa desencadear protestos como os que sacudiram recentemente o Chile.

Assim, enquanto vive a anunciar um “novo Brasil”, mais moderno e desenvolvido, o presidente Bolsonaro é olímpico em relação às reformas sem as quais esse “novo Brasil” jamais será construído. Bolsonaro, como já ficou claro para muitos parlamentares, quer que o Congresso assuma todo o ônus político do processo de saneamento do serviço público, que afetará interesses muito poderosos, para depois usufruir dos louros da reforma, reivindicando sua paternidade. É o que está acontecendo no caso da reforma da Previdência, que agora o governo tenta capitalizar como se fosse uma vitória de Bolsonaro, embora o presidente quase nada tenha feito para aprová-la.

Nos cálculos de Bolsonaro estão, obviamente, as eleições. Para um presidente que assumiu o cargo já falando em reeleição, é evidente que o impacto das reformas na opinião pública é a medida de todas as coisas. Sendo assim, nada mais natural do que tentar deixar ao Congresso a tarefa de elaborar e negociar as reformas administrativa e tributária, enquanto o governo se limitaria a encaminhar “sugestões” para complementar projetos em discussão. Ou seja, na “nova política” bolsonarista, o Congresso sua a camisa e toma vaia da torcida, enquanto o presidente só entra no jogo para comemorar o gol.

Como era previsível, a reação dos parlamentares, entre os quais o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não tardou. Eles lembraram que uma reforma que altera a estrutura administrativa federal obviamente deve ser proposta pelo governo. Diante da resistência, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), disse que o Executivo enviará afinal uma proposta, mas não soube informar quando. A julgar pelo que se tem visto, mesmo que haja um projeto do Executivo e que ele seja enviado nos próximos dias, nada garante que o governo, na hora de encarar o desgaste de defendê-lo, faça mais do que lavar as mãos.