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Cabeças a prêmio

Ofensiva jurídico-penal contra Maduro e seus asseclas é a mais incisiva ação dos EUA

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Por Notas & Informações
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Em meio aos esforços globais para fazer frente aos desafios sanitários, sociais e econômicos impostos pela pandemia de covid-19, o governo dos Estados Unidos anunciou, na quinta-feira passada, o indiciamento de Nicolás Maduro e de membros da cúpula do regime chavista da Venezuela por participação em um esquema de “narcoterrorismo”. As autoridades americanas anunciaram ainda a oferta de US$ 15 milhões em recompensa por informações que levem à prisão de Maduro, considerado o “líder do cartel”, e de US$ 10 milhões pela captura de Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Constituinte e “número dois” do regime; Hugo Carvajal, ex-diretor de Inteligência do Exército; Clíver Alcalá, general reformado; e Tareck El Aissami, vice-presidente para a área econômica. Nos últimos dois anos, os Estados Unidos tomaram medidas semelhantes contra membros da ditadura chavista, decretando prisões e confiscos de bens, mas nunca contra a cúpula do regime. A ofensiva jurídico-penal contra Maduro e seus asseclas é a ação mais incisiva já adotada pelo governo americano para pôr fim ao flagelo impingido ao povo venezuelano pela sanguinária ditadura chavista.

De acordo com o secretário de Justiça dos Estados Unidos, William Barr, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) “inundaram o território americano” com cerca de 250 toneladas de cocaína sob o beneplácito da cúpula do regime chavista, regiamente recompensada com o dinheiro oriundo da operação criminosa. Nicolás Maduro, acusou Barr, é o maior beneficiário deste esquema, tanto financeira como politicamente. Segundo Geoffrey Berman, procurador do Distrito Sul de Nova York e um dos responsáveis pelas acusações, “o escopo e a magnitude deste esquema de tráfico de drogas só foram possíveis porque Maduro e outras instituições corrompidas da Venezuela proveram apoio político e militar às operações (criminosas)”, disse o procurador ao jornal Financial Times.

Há muito os Estados Unidos tentam minar a capacidade de ação de Nicolás Maduro investigando e processando indivíduos leais ao regime. Considerado um pária internacional – mais de 50 nações já não o reconhecem como presidente da Venezuela, incluindo o Brasil – e enfrentando uma onda de protestos que só foi interrompida pelas restrições de circulação impostas pela pandemia de covid-19, o ditador chavista conta única e exclusivamente com o apoio da cúpula militar de seu país para se manter no poder. E este apoio custa muito caro. Ao estabelecer as milionárias recompensas pela captura de Maduro e próceres do regime chavista, o governo americano, evidentemente, pretende criar um ambiente favorável a traições dentro do regime, notadamente das lideranças militares que hoje o sustentam.

Se Maduro só permanece no Palácio de Miraflores pela “lealdade” da cúpula militar venezuelana ao regime e esta “lealdade” pode ser comprada, sua permanência no poder passou a ser apenas uma questão de preço. Terá o ditador capacidade de oferecer aos militares que o cercam ainda mais do que já oferece em dinheiro e altos cargos em empresas estatais para fazer frente às milionárias recompensas oferecidas por Washington? “Colocar uma recompensa de US$ 15 milhões (pela captura de Maduro) pode estimular uma vontade real de haver traições dentro do próprio sistema. Agora há incentivos financeiros para traí-lo”, disse ao Estado o analista Erik Del Bufalo, professor da Universidade Simon Bolívar, em Caracas.

As acusações penais contra Nicolás Maduro e membros da cúpula chavista, que podem ser condenados à prisão perpétua nos Estados Unidos, chegam em um momento de particular fragilidade da oposição ao regime na Venezuela e, em especial, de enfraquecimento da liderança do presidente encarregado, Juan Guaidó. A ação surpreendente do governo americano tem potencial para reverter este curso e para concluir a mais grave crise política, econômica e humanitária na América Latina em décadas, além de dar ao presidente Donald Trump um troféu a ser exibido em sua campanha pela reeleição.