Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Candidato não é mercadoria

Pesquisa não pode ser decisiva na definição de candidaturas. Importa a capacidade de estimular a esperança com propostas sólidas para os problemas do presente e as ambições do futuro

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

É desanimadora a notícia de que o candidato da chamada “terceira via”, aquele cuja incumbência é atrair os muitos eleitores que desprezam os populistas que lideram as pesquisas, pode ser escolhido por meio de pesquisas para avaliar sua viabilidade eleitoral.

Há uma clara inversão de valores aqui. O que dá solidez a uma candidatura, sobretudo uma candidatura que se propõe a enfrentar a demagogia de Lula da Silva e Jair Bolsonaro, é a capacidade do postulante e de seu partido de se apresentarem ao eleitorado como veículos de um projeto concreto de país. É isso que tem potencial de atrair votos. Ao definir uma candidatura não por sua substância programática, ora inexistente, mas apenas pelo grau de rejeição dos nomes apresentados, a “terceira via” parece estar disputando não a chefia do governo, mas o lugar de maior destaque na prateleira de um supermercado. 

É óbvio que política envolve carisma, isto é, a qualidade extraordinária de transpirar poder. Logo, nem a mais sofisticada das plataformas eleitorais é suficiente para vencer uma eleição se o candidato que a propõe não inspirar essa força nos eleitores. No entanto, um candidato escolhido somente por ser supostamente mais bem aceito que outros em enquetes, e não por suas ideias ou propostas, tende a ser apenas mais um enlatado na gôndola. Pode até ganhar a eleição, mas empobrece a política e, por tabela, a democracia.

Hoje, infelizmente, os partidos são apenas veículos das ambições pessoais de seus donos ou caciques. Votar neste ou naquele partido faz pouca ou nenhuma diferença para os eleitores, que são convidados não a pensar nos grandes problemas nacionais, mas somente no atendimento imediato – e invariavelmente precário – de suas necessidades. É por isso que os dois líderes das pesquisas de intenção de voto para presidente sejam rematados irresponsáveis, a prometer unguentos mágicos para solucionar problemas que demandam remédios bem mais amargos.

É fundamental que haja entre os postulantes à Presidência uma candidata ou um candidato que represente genuinamente os valores da democracia liberal, especialmente nesta quadra histórica, marcada pelo que o sociólogo Larry Diamond, da Universidade Stanford, chamou de “recessão democrática”, a ascensão de líderes autoritários em diversos países mundo afora. Ou bem se constrói uma candidatura com esse propósito claro, disposta a disputar votos sem abrir mão de convicções liberais nem fazer concessões a demandas estranhas à livre-iniciativa e às liberdades, ou não restará aos brasileiros alternativa senão ter que escolher o “mal menor” entre candidaturas retrógradas. Não é assim que se faz um país.

Não se pode criticar o cidadão verdadeiramente democrata que olhe para o quadro político-eleitoral de momento e não seja tomado por um misto de frustração e desalento. Até aqui, em instante algum se viu os partidos do centro democrático discutindo propostas concretas para tirar o País do atoleiro político, econômico, social e moral em que se encontra há muito tempo. Fala-se muito em impedir que o futuro do Brasil continue condicionado aos desvarios de um presidente demagogo, seja de que partido for. De fato, seria um desastre de consequências funestas. 

Mas o que oferecer ao eleitor no lugar da gritaria iliberal bolsonarista ou do retrocesso estatólatra do lulopetismo? As possíveis candidaturas alternativas até agora postas não deram uma resposta sólida a essa questão. Pelo contrário: perdem tempo e energia digladiando-se em público, pensando unicamente em meios de ganhar a eleição, e não em articular e defender projetos, com confiança e honestidade. É legítimo que todo partido almeje o poder, mas, antes disso, deve ter claro e dizer a todos o que pretende fazer com esse poder. Só então o eleitor fará sua escolha.

Em resumo, não se pode privar os eleitores da chance de sonhar com um futuro melhor, em que prevaleçam a razão, o diálogo e o respeito à democracia – ainda que, ao fim e ao cabo, a vitória não venha.