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Cerco ao discurso de ódio

O Facebook se vê cada vez mais acuado por não conter o discurso de ódio e as ‘fake news’

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Por O Estado de S.Paulo
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O espaço para propagação de discurso de ódio nas redes sociais está cada vez mais estreito. Num futuro não muito distante, ficará relegado ao submundo da internet, de onde nunca deveria ter emergido. Graças ao esforço conjunto de órgãos de Estado, empresas e organizações da sociedade civil, a noção de que tudo é permitido no chamado ambiente virtual caiu por terra há alguns bons anos e hoje o sistema jurídico-penal da maioria dos países civilizados já é capaz de lidar com os crimes que são praticados na internet. Agora cresce a asfixia econômica sobre as plataformas que não se mostram aptas a conter a intolerância. Um número cada vez maior de empresas, muitas delas com presença global, como Coca-Cola, PepsiCo, Unilever, Starbucks e Procter & Gamble, tem aderido ao movimento Stop Hate For Profit (algo como “pare de lucrar com o ódio”, em tradução livre) e retirado seus anúncios publicitários de redes sociais como o Facebook, o Twitter e o YouTube. O movimento surgiu na última semana de junho na esteira das manifestações contra a violência racial que irromperam nos Estados Unidos e em outros países após o assassinato de George Floyd. A empresa de Mark Zuckerberg, que também controla o WhatsApp e o Instagram, é a mais afetada por essa bilionária campanha de boicote publicitário. E não por acaso. Nos últimos quatro anos, o Facebook tem sido pressionado no mundo inteiro - inclusive pelos Parlamentos dos Estados Unidos e da União Europeia - por ser uma plataforma bastante leniente com a propagação de mensagens racistas, preconceituosas ou simplesmente mentirosas. Foi por meio do Facebook, vale lembrar, que sites de extrema direita favoráveis a Donald Trump, como o Breitbart News, veicularam fake news no curso da campanha presidencial de 2016 que podem ter ajudado a dar a vitória ao então candidato republicano. À época, o Facebook classificou o Breitbart News como “fonte confiável de informação”, não obstante o site controlado por Steve Bannon ser ligado a grupos de supremacia branca. Foi também pelo Facebook que organizações ligadas a Nigel Farage, líder do Partido de Independência do Reino Unido (UKIP), publicaram uma série de notícias falsas que, naquele mesmo ano, levaram à vitória do “Leave” no plebiscito do Brexit. Agora, o Facebook se vê às voltas com uma nova acusação. A plataforma teria sido permissiva com publicações de cunho racista que incitaram a violência contra os manifestantes durante os protestos decorridos do assassinato de Floyd em Minneapolis, no dia 25 de maio. Após o anúncio da adesão da Unilever - uma das maiores anunciantes globais - ao Stop Hate For Profit, na sexta-feira passada, as ações do Facebook caíram 8%. Nada que abale a pujança econômica da empresa de Mark Zuckerberg, avaliada em cerca de US$ 615 bilhões. Mas um sinal de alerta foi acionado em Menlo Park, Califórnia, haja vista que quase a totalidade da receita anual do Facebook - US$ 70 bilhões - vem da publicidade. Logo após o anúncio da Unilever, Mark Zuckerberg declarou que o Facebook vai implementar “mudanças em suas políticas internas” a fim de proibir que a publicidade veiculada por suas empresas contenha “mensagens que alegam que pessoas de uma determinada raça, etnia, nacionalidade, casta, gênero, orientação sexual ou origem de imigração representam uma ameaça à segurança física ou à saúde de qualquer outra pessoa”. Sem dúvida alguma, é fundamental aprimorar os meios de contenção do discurso de ódio e da disseminação de fake news nas redes sociais que, ao fim e ao cabo, minam os alicerces da democracia ao turvar o debate público e estimular a discórdia entre cidadãos. No entanto, as ações não devem se restringir às empresas que servem como plataforma, mas também têm de atingir os que formulam e disseminam ódio e mentiras. Se valores morais não bastaram para coibir este tipo de mensagens até aqui, que os abusos comecem a pesar no bolso de todos.