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Cicatrizes na ‘Paris do Oriente Médio’

Explosões agravam a situação do Líbano, assolado pela pandemia e pela crise econômica

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Por Notas & Informações
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A negligência de autoridades libanesas pode ter feito o que nem a guerra civil do Líbano fez em 15 anos (1975-1990): destruir metade de Beirute, uma das mais belas capitais do Oriente Médio, em questão de segundos. Ao menos duas grandes explosões ocorreram na região portuária da cidade na tarde de terça-feira passada. A última, devastadora, obliterou o porto da capital libanesa e provocou uma onda de choque que destruiu tudo o que encontrou pela frente em um raio de aproximadamente 20 km. Há relatos de cipriotas que ouviram o barulho das explosões. O Chipre está a cerca de 230 km ao noroeste de Beirute, o que dá a dimensão do horror que a população local sofreu.

O desastre deixa, em números provisórios, mais de 130 vítimas fatais e quase 5 mil feridos. E esses números tendem a aumentar nos próximos dias porque equipes de resgate ainda trabalham na remoção dos escombros. Além disso, há 300 mil pessoas desabrigadas. Não há brasileiros entre os mortos e feridos com gravidade. Uma fragata da Marinha do Brasil a serviço da ONU havia deixado o porto de Beirute antes das explosões.

Trata-se de mais uma tragédia que se abate sobre uma cidade que ao longo dos últimos anos vinha se recuperando lentamente de uma violenta guerra civil e de outros conflitos na região. O ministro das Relações Exteriores de Israel, Gabi Ashkenazi, negou peremptoriamente qualquer envolvimento de seu governo com as explosões havidas em Beirute. Em nota conjunta, assinada com o ministro da Defesa, Benny Gantz, Ashkenazi informou que “o governo de Israel está em contato com o governo do Líbano por meio dos canais diplomáticos e de segurança para oferecer ao país vizinho ajuda médica e humanitária”. Já o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, insinuou que as explosões podem ter sido causadas por um “ataque com algum tipo de bomba”, sem apresentar qualquer evidência que sustentasse sua alegação.

Segundo fontes ligadas ao governo libanês, a causa mais provável da primeira explosão foi um incêndio provocado por um curto-circuito numa fábrica de fogos de artifício instalada na região portuária. Esta explosão teria ocasionado outra, de maior potencial destrutivo, num armazém contíguo, local onde estavam estocadas 2,75 mil toneladas de nitrato de amônio apreendidas há nada menos do que seis anos. O nitrato de amônio é uma substância normalmente usada na produção agrícola, mas pode se tornar explosivo sob altas temperaturas. O uso de nitrato de amônio para fins bélicos foi uma das razões para o confisco do material pelo governo. Temia-se pelo acesso do Hezbollah à carga tão perigosa.

O erro fatal das autoridades responsáveis pelo armazém no porto de Beirute que foi pelos ares foi ter armazenado uma quantidade tão grande de nitrato de amônio em um mesmo local, por tanto tempo, e sem as necessárias medidas de segurança, segundo os especialistas. A Justiça do Líbano determinou que todos os funcionários com poder de mando no armazém desde 2014 sejam postos em prisão domiciliar até o final da investigação para apurar as causas da tragédia.

As explosões se somaram a uma severa crise econômica que assola o Líbano com mais gravidade há pelo menos dois anos, fruto de corrupção e irresponsabilidade fiscal, e à pandemia de covid-19. Hospitais foram destruídos, aumentando ainda mais o sofrimento na nação amiga. O instável equilíbrio de poder entre grupos de cristãos, muçulmanos sunitas e muçulmanos xiitas também poderá sofrer abalos com o agravamento dessas crises.

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil se solidarizou com o governo e o povo do Líbano. Cerca de 10 milhões de libaneses, entre nativos e descendentes, vivem no País, um terço deles em São Paulo. É um contingente maior do que a população do Líbano. A dor dos amigos libaneses, que muito contribuíram para o crescimento do Brasil, é a dor dos brasileiros.