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Cidades inclusivas

Objetivo do DOT é tornar as cidades compactas, conectadas e coordenadas

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Por Notas & Informações
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Na era industrial, o desenvolvimento urbano nas Américas obedeceu a um padrão: crescimento rápido, desordenado e focado no transporte individual. O resultado são as chamadas cidades 3D: distantes, dispersas e desconectadas. Mas, se nos EUA a expansão se deu com subúrbios de baixa densidade ocupados pela classe média, nas cidades brasileiras prevaleceu a segregação de pessoas de baixa renda nas periferias, de onde realizam longos deslocamentos diários em transportes públicos precários para acessar ofertas de emprego, educação, saúde, lazer e serviços nas regiões centrais.

Muitos municípios brasileiros estão em vias de implementar ou revisar seus Planos Diretores. Oportunamente, o Banco Interamericano de Desenvolvimento lançou um guia para a implementação do Desenvolvimento Orientado para o Transporte (DOT).

O DOT envolve a articulação dos componentes urbanos com os sistemas de mobilidade para estimular a concentração de habitações e atividades socioeconômicas próximas aos corredores e estações de transporte público de massa. O objetivo é reverter o modelo 3D para uma cidade 3C: compacta, conectada e coordenada.

Isso implica a redução no tempo dos deslocamentos; a otimização do uso de recursos e serviços; a contenção do crescimento dispersivo; e a redução das emissões de gás carbônico. O modelo DOT envolve tipicamente uma multiplicidade de núcleos adensados e de uso misto, envoltos por áreas de menor densidade. Isso viabiliza um zoneamento equilibrado que promove a habitação socialmente diversa; a interconexão de serviços e atividades produtivas; e um espaço público e verde condizente com os padrões internacionais de bem-estar.

A viabilidade dos projetos de DOT depende da concatenação de 6 linhas estratégicas: i) mecanismos de governança que superem barreiras institucionais e facilitem a cooperação entre setores públicos e privados; ii) marcos legais capazes de viabilizar os projetos; iii) ferramentas que integrem a gestão do solo ao planejamento espacial e às redes de transporte público; iv) instrumentos econômicos e fiscais para mobilizar recursos; v) mecanismos de integração de políticas setoriais e de desenvolvimento urbano; e vi) a verificação e modelagem dos impactos ambientais, sociais e econômicos resultantes de uma intervenção.

A publicação oferece diversos estudos de caso em que estas estratégias foram aplicadas com sucesso. Em Washington, o bairro NoMa se destacou pela utilização de formas inovadoras de atração de atores privados para prover sustentabilidade econômica a um projeto DOT. Bilbao, na Espanha, foi um caso particularmente bem-sucedido de conjugação de interesses locais com estratégias e instituições regionais e nacionais. Tóquio é um exemplo de revalorização do solo urbano por meio de mecanismos de reajuste de terras e de modelos de financiamento por intermédio de parcerias público-privadas. Em Londres, foi possível reverter uma situação urbana de baixa densidade e degradação em torno da estação de metrô de King’s Cross por meio de um consórcio privado aliado à gestão pública nacional.

No caso de uma federação ampla e heterogênea, como o Brasil, a governança depende crucialmente de uma coordenação de arranjos institucionais e de políticas públicas entre os setores e jurisdições envolvidos. O estudo oferece diversas estratégias de incorporação dos princípios do DOT aos quadros legais. Também oferece novos instrumentos para a operacionalização dos projetos. Para financiá-los, é necessário aperfeiçoar os mecanismos de arrecadação; implementar instrumentos de recuperação do valor fundiário; e diversificar formas de participação entre investidores públicos e privados. No plano concreto, essas estratégias devem promover a melhoria da rede de transporte coletivo e sua integração com a cidade, concomitantemente com a inibição da circulação de veículos individuais.

Ao confinar os cidadãos em suas casas, a pandemia os separou de sua cidade. Essa introversão forçada é uma oportunidade para repensar um modelo de desenvolvimento urbano 3I: intenso, inteligente e inclusivo.