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Clamor pela liberdade

Cedo ou tarde, cubanos retomarão o direito de definir livremente o destino de seu país

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Por Notas&Informações
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Fazia 27 anos que as ruas de diversas cidades de Cuba não ficavam tão cheias de cidadãos clamando por liberdade na ilha subjugada por uma feroz ditadura. No domingo passado, centenas de pessoas saíram às ruas da pequena cidade de San Antonio de los Baños, a 33 km da capital, Havana, para protestar contra os recorrentes “apagões” de energia e para exigir que o regime do ditador Miguel Díaz-Canel amplie a claudicante vacinação da população contra a covid-19. A última vez que tantos cubanos sobrepuseram o desejo de liberdade ao medo foi em agosto de 1994, durante a manifestação que ficou conhecida como “maleconazo”, em referência a El Malecón, a orla de Havana. Foi o primeiro levante popular contra a ditadura instalada por Fidel Castro em 1959.

Quando imagens do protesto em San Antonio de los Baños furaram o controle estatal e foram publicadas nas redes sociais, milhares de cubanos em outras cidades se uniram aos protestos, que logo ganharam em escala e em diversificação da agenda de reivindicações. Nas cidades de Güira de Melena e Alquízar, na província de Artemisa, Palma Soriano, em Santiago de Cuba, e em Havana, cubanos gritaram por “Liberdade!”, “Pátria e vida”, “Abaixo a ditadura”. “Não temos medo”, bradavam os manifestantes.

Acossado pelo inédito protesto, Díaz-Canel fez o que ditadores fazem: ordenou uma feroz repressão aos manifestantes. E não só empreendida pelas forças especiais, leais ao regime, mas também por seus apoiadores, estimulando uma batalha campal fratricida pelas ruas do país caribenho. Em pronunciamento à TV na noite de domingo, Díaz-Canel, evidentemente, acusou o governo dos Estados Unidos de estar por trás da organização dos protestos e exortou seus partidários a “defender o governo com suas vidas”. “A ordem está dada. Às ruas, revolucionários”, disse o presidente, após afirmar que em Cuba “nenhum verme ou contrarrevolucionário dominará as ruas”. É este o país que, para muitos no Brasil, serviu de paradigma de democracia e eficiência estatal nas Américas.

É muito cedo, claro, para determinar quais serão os desdobramentos dos protestos do último fim de semana, que, entre outras demandas, clamaram por mudanças políticas em Cuba. A dura reação do governo central, no entanto, indica a que ponto a ditadura teme as manifestações, que têm potencial para produzir alguma mudança na ilha, por menor que seja.

“Chegou o dia em que o povo cubano se levantou. Está muito claro o que os cubanos querem, que termine este regime”, disse Orlando Gutiérrez, da Assembleia de Resistência Cubana. O governo dos Estados Unidos, por sua vez, se apressou em refutar as acusações de que estaria envolvido na organização dos protestos. “Os protestos crescem em Cuba à medida que o povo cubano exerce o seu direito de expressar preocupação com o aumento do número de casos e mortes por covid-19 no país”, disse Julie Chung, subsecretária de Estado. No sábado anterior à irrupção dos protestos, Cuba registrou o terceiro dia consecutivo de recordes no número de casos (6.923) e de mortes em decorrência da doença (47).

Buscar culpados externos para males domésticos é artifício típico de ditadores e populistas. É mais fácil para Díaz-Canel disseminar velhas teorias conspirativas envolvendo os eternos inimigos americanos ou culpar o embargo econômico imposto à ilha pelos Estados Unidos do que admitir as próprias falhas do regime em atender às necessidades mais prementes dos cubanos. Ditadores se têm como infalíveis por natureza. Logo, se o povo cubano é privado de liberdade, de comida, de vacinas, de energia elétrica, de medicamentos, entre outros bens essenciais a uma vida digna, a causa só pode ser externa.

Os protestos em Cuba, como dito, podem provocar mudanças significativas na ilha ou não passar de um suspiro por liberdade, logo sufocado. O tempo vai dizer. Fato é que não há regime autoritário o bastante para calar a voz de um povo por tanto tempo. Mais cedo ou mais tarde, os cubanos farão valer o direito de determinar livremente o destino que querem para seu país.