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Colapso anunciado

É temerária a ideia do Executivo de começar do zero a tramitação de um tema que já é objeto de debate no Congresso e na sociedade há três anos, sobretudo por se tratar de uma questão nada trivial, o financiamento da educação básica no País

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Por Notas & Informações
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O governo federal deverá encaminhar ao Congresso uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC) a fim de alterar as regras de financiamento da educação básica no País por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O Palácio do Planalto optou por enviar uma nova proposta porque o Ministério da Educação (MEC) discorda da minuta do relatório elaborado pela deputada Professora Dorinha (DEM-TO) para a PEC 15/2015, que torna o Fundeb um fundo permanente e prevê o aumento escalonado da contribuição da União dos atuais 10% para 40% em dez anos: 25% no quinto ano de vigência da PEC, 35% no nono ano e 40% a partir do décimo primeiro ano.

“A gente (o Poder Executivo) não concorda. A gente considera uma proposta que fere o equilíbrio fiscal. A proposta não é solvente no longo prazo e vamos buscar outra solução”, disse o ministro da Educação, Abraham Weintraub, por ocasião da apresentação da minuta, em setembro do ano passado. O governo federal é favorável à manutenção do Fundeb, o que é reconfortante. Mas o MEC defende que o aumento da contribuição da União chegue, no máximo, a 15%. Segundo Weintraub, com este porcentual estaria garantido o investimento mínimo de R$ 4,3 mil por aluno/ano, considerado “adequado”.

O Poder Executivo pode discordar do teor de propostas que tramitam no Legislativo. Também está claro que, por mais necessária que seja a manutenção do Fundeb – o fundo corresponde a 63% dos recursos para o financiamento da educação básica –, não se pode perder de vista a higidez das contas públicas. No entanto, nada indica que este cuidado não tenha sido tomado pela deputada Dorinha Rezende, que relata a matéria desde a legislatura anterior e negociou seu relatório com profissionais da área de educação e lideranças no Congresso, nos Estados e nos municípios, bem como com técnicos da equipe econômica do governo. A minuta de seu relatório é, pois, expressão de um texto de consenso.

“É a partir do conhecimento acumulado e do diálogo plural estabelecido na Comissão Especial da PEC 15 que o Brasil poderá transformar o novo Fundeb em uma poderosa alavanca de equidade e qualidade, além de esteio da educação básica pública do País”, disse Priscila Cruz, presidente do Todos pela Educação. De fato, o Fundeb tem se mostrado o pilar do financiamento da educação básica nesses 14 anos de vigência, a despeito de muitas distorções. As atuais regras do Fundeb igualam situações que são inigualáveis, uma vez que a distribuição dos recursos hoje é feita por localidade, e não por redes de ensino. Assim, municípios pobres e ricos de um mesmo Estado recebem os mesmos valores, o que não só é injusto como ineficaz. Em boa hora, a PEC 15 trata da reformulação dos critérios de distribuição desses recursos, aprimorando o que até aqui tem sido uma boa ideia mal executada.

É temerária a ideia do Executivo de começar do zero a tramitação de um tema que já é objeto de debate no Congresso e na sociedade há três anos, sobretudo por se tratar de uma questão nada trivial, o financiamento da educação básica no País, e pela implacável pressão do tempo. Nada sugere que uma nova PEC proposta pelo Executivo será debatida e aprovada até o fim deste ano. O Fundeb, convém lembrar, será extinto no final de 2020 por decurso do prazo de vigência determinado pela Emenda Constitucional 53, que o instituiu em 2006 em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Ou seja, caso insista na ideia de propor uma nova PEC e não articular com o Poder Legislativo eventuais alterações na proposta para o Fundeb ora em tramitação, o governo federal estará, na prática, agendando o colapso da educação básica para o dia 1.º de janeiro de 2021. Todos sabemos o desastre que isso representa para milhões de crianças e jovens que contam com a educação pública para sonhar com um futuro melhor.