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Comunicação pública, benefícios privados

Os órgãos de controle e o eleitorado precisam estar atentos ao uso da máquina pública nas campanhas

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Por Notas & Informações
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Do que se tem notícia, o astronauta Marcos Pontes passou seus três anos de comando do Ministério da Ciência e Tecnologia no mundo da lua. Sua pasta foi um exemplo de inoperância, enquanto no mundo sublunar seu chefe disseminava obscurantismo e desmantelava órgãos de pesquisa. A poucos minutos do jogo entre Brasil e Bolívia pelas eliminatórias da Copa, Pontes surgiu em cadeia nacional para louvar os triunfos científicos do governo.

Pontes é um dos oito a dez ministros que devem deixar o cargo para disputar as eleições, na maior debandada desde a redemocratização. Serão cerca de 40% das pastas. Nos outros governos o índice variou entre 20% e 30%.

O pronunciamento em cadeia nacional é um instrumento crucial da comunicação pública conferido aos Poderes da República e ministros de Estado para divulgar assuntos de interesse nacional.

É difícil imaginar um assunto de maior interesse do que a pandemia de um vírus letal – tanto mais por ter sido acompanhada de uma feroz “infodemia” –, que impactou todos os âmbitos administrados na Esplanada dos Ministérios.

Mas em 2020, nenhum ministro falou à população em cadeia nacional. Era o auge do pânico – mas longe das eleições federais. Em 2021, foram oito pronunciamentos. Nos três meses de 2022, já foram seis – cinco por pré-candidatos.

O Ministério Público (MP) também acusa o uso de aviões da FAB por parte de ministros para participar de eventos de natureza eleitoral. Segundo o MP, Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Fábio Faria (Comunicações) teriam se deslocado para compromissos oficiais e realizado “pedido explícito de votos”. Outros, como Ciro Nogueira (Casa Civil) ou Marcelo Queiroga (Saúde), também fizeram uso incomum das aeronaves para participar de eventos em seus redutos eleitorais.

Há poucos dias, funcionários da TV Brasil divulgaram nota protestando contra o aparelhamento da emissora: desde que foi fundida com a emissora do governo (TV NBR), multiplicam-se as entrevistas com ministros e quadros do governo e censuras internas a matérias críticas ao Planalto. “Não há mais como o telespectador diferenciar o que é comunicação pública”, diz a nota, “e a TV do governo, com conteúdo pago por contrato com a Secretaria de Comunicação.”

Enquanto os correligionários de Jair Bolsonaro tentam censurar artistas, sua propaganda corre solta na TV, rádio, rede digital, comícios, motociatas, igrejas e compromissos oficiais. É público e notório que Bolsonaro, seguindo os passos de seu antípoda, Lula da Silva, jamais tirou os dois pés do palanque. A diferença é que agora é ele quem tem as duas mãos na máquina pública.

É flagrante que figuras alçadas da mais espessa obscuridade para a Esplanada dos Ministérios, como Abraham Weintraub ou Damares Alves, usaram suas pastas para se autopromover. Agora outros pré-candidatos entram na dança. Os órgãos de controle precisam estar com os olhos bem atentos a esses abusos. Mas o maior controle é do eleitor. Cabe a ele, nas urnas, afastar da máquina pública tantas mãos que a manipulam para suas ambições privadas.