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Corrida maluca por benefícios

Com o mais que esperado fracasso da reforma tributária, governo concede vantagens a setores escolhidos a dedo no apagar das luzes de 2021

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Por Notas & Informações
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O réveillon representa, para muitos, a renovação das promessas e a esperança por um ano melhor. Em Brasília, em particular, esse sentimento se traduz em uma corrida pela manutenção de benefícios por setores econômicos e grupos de interesse: no apagar das luzes, quem grita mais alto ou se articula melhor e silenciosamente nos bastidores costuma garantir o seu naco. Em governos politicamente fracos, essa disputa fica ainda mais evidente e é até incentivada. Foi o que se viu na virada do derradeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro.

Na última semana de 2021, para que todos os interesses fossem acomodados, foram necessárias 22 edições extras do Diário Oficial da União (DOU), 7 delas no dia 31. O governo editou medida provisória para zerar o Imposto de Renda sobre o leasing de aeronaves até 2023, demanda antiga do setor e que chegou a ser vetada em 2020. Bolsonaro sancionou também uma lei que prorroga, até 2026, a isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de automóveis novos por taxistas, motoristas de aplicativo e pessoas com deficiência (PCDs), além de um projeto que inclui caminhoneiros entre aqueles que podem se enquadrar no modelo de microempreendedor individual (MEI).

O que chama a atenção em todas essas decisões é o improviso com que foram adotadas. Não houve um debate sobre benefícios e prejuízos associados a cada uma dessas propostas nem se sabe o que deu base a elas. É impossível, portanto, apurar se vão ou não atingir os objetivos desejados, pois não se sabe quais são eles. Tudo isso ocorreu em um governo que se diz liberal na economia e que pretende se agarrar ao lado fiscal para ter algum discurso mínimo para a campanha eleitoral – isso depois de ter patrocinado uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que acabou com o teto de gastos e instituiu o calote de dívidas já reconhecidas pela Justiça.

Com a desoneração da folha de pagamento para os 17 setores da economia que mais empregam, estimada em R$ 9,08 bilhões, o governo atingiu um novo nível de desfaçatez no que diz respeito ao esburacado teto e ao arcabouço fiscal. O Ministério da Economia simplesmente não encaminhou pedido formal ao Congresso para incorporar, no Orçamento, a queda na arrecadação associada à medida, que envolve renúncia de parte dos impostos, bem como a redução de outros gastos para compensá-la.

Por isso, o Executivo teve que editar outra medida provisória, às 21 horas do dia 31 de dezembro, para ser dispensado de cortar despesas para repor os recursos. Para evitar um novo aumento de tributos, o Planalto apostou em uma leitura torta de um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) e divulgou não ser necessária a compensação por se tratar de “prorrogação de benefício fiscal já existente”. Quem se deu bem nessa história foram os bancos, que conseguiram se livrar de ter que pagar a conta com a renovação da sobretaxa sobre o lucro e as operações de crédito.

Nessa disputa, houve perdedores, mas em menor número. Pela segunda vez, o governo editou uma medida provisória para revogar o Regime Especial da Indústria Química (Reiq) – ainda que em junho o Congresso já tivesse rejeitado proposta semelhante. Por meio de um decreto publicado também no dia 31, Bolsonaro diminuiu o crédito tributário a fabricantes de refrigerantes da Zona Franca de Manaus – apenas 14 meses depois de ter dobrado o benefício para o setor.

Como mostrou o Estado, os segmentos prejudicados vão tentar reverter as medidas no Legislativo e no Judiciário, e os que foram esquecidos já se movimentam para obter alguma regalia. Não há razão para criticá-los, haja vista a atuação esdrúxula do Executivo, que escolheu a dedo os beneficiários depois do esperado fracasso da reforma tributária, empacada no Congresso. O custo dessas ações será pago por todos, inclusive os mais pobres, que continuarão a engrossar as filas do Auxílio Brasil. Tudo isso é apenas um prenúncio do que o País verá nas semanas finais de 2022. Que sejam, ao menos, os últimos atos do desgoverno.