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Corte de juros e risco externo

Excluída a hipótese de catástrofe, o Brasil tem condições de suportar instabilidade

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Por Notas e Informações
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Com cerca de US$ 380 bilhões de reservas cambiais e contas externas ainda em ordem, o Brasil pode enfrentar choques externos sem grandes estragos e sem mudar o rumo da política de juros, segundo o Banco Central (BC). Qualquer choque, mesmo muito forte e de efeitos prolongados? A pergunta é inevitável, diante do agravamento do conflito comercial entre Estados Unidos e China, com reflexos perigosos na atividade global, no fluxo de capitais e nas taxas de câmbio.

A semana começou com bolsas em queda em todo o mundo e o dólar batendo em R$ 3,96 no Brasil, depois do anúncio de novas barreiras comerciais americanas e de uma preocupante desvalorização da moeda chinesa. Pela primeira vez desde 2008 foi ultrapassada a barreira de sete yuans por dólar. O governo americano imediatamente acusou as autoridades chinesas de manipular o câmbio para encarecer importações e baratear exportações. Era um retorno ao velho tema da guerra cambial.

Depois do primeiro susto, havia sinais de melhora nos mercados, na manhã de ontem, quando o BC divulgou a ata da última reunião de seu Comitê de Política Monetária, o Copom, na quarta-feira da semana passada. O cenário internacional, segundo a ata, continuava “benigno”, apesar das tensões comerciais e geopolíticas e do risco de menor crescimento da economia global. O adjetivo “benigno” era explicado, no texto, como referência às políticas monetárias muito moderadas em vigor nas principais economias, um sinal de condições de financiamento ainda muito favoráveis.

A redução do crescimento global é o grande risco externo mencionado na ata, como efeito possível das tensões comerciais e geopolíticas. Não se deve, no entanto, menosprezar o perigo de uma turbulência cambial, apontado pelo Banco do Povo da China (PBoC), o BC chinês, em resposta às ações e acusações do governo dos Estados Unidos.

O risco de uma turbulência forte e prolongada, com potencial para provocar grandes fugas de dólares dos países emergentes, parece por enquanto descartado pelo Copom.

Excluída a hipótese de uma catástrofe, o Brasil tem condições de suportar a instabilidade externa. Estaria menos preparado se o Executivo tivesse imposto a ideia de vender reservas cambiais para diminuir a dívida pública federal. Esse plano, defendido há meses por gente da equipe econômica, parece hoje abandonado.

Uma desordem cambial poderia forçar o BC a mudar o rumo da política de juros. Na semana passada o Copom baixou de 6,50% para 6% a taxa básica de juros, a Selic. Foi a primeira mudança em mais de um ano. Novos cortes poderão ocorrer, segundo o Copom havia anunciado logo depois da última reunião e confirmou com a ata recém-publicada. Não se indicou o tamanho dos novos cortes. Além disso, o comitê preservou espaço para seguir outro rumo, se as condições piorarem. No mercado, o afrouxamento adicional é tido como certo. Só se discute a sua extensão. O ano terminará, segundo as apostas, com a Selic entre 5,25% e 5%.

As perspectivas internas são favoráveis a um maior estímulo monetário, segundo a ata. Todos os cenários indicam inflação contida, com espaço para corte de juros. Pressupõe-se a continuação da política de ajustes, com a aprovação final da reforma da Previdência e avanço em outras medidas.

O crescimento poderá ser favorecido pela liberação de recursos do FGTS e do PIS-Pasep, mas o efeito será passageiro. As condições econômicas subjacentes continuarão pouco favoráveis a uma expansão mais acelerada. O País só ficará mais dinâmico, segundo a ata, com medidas para tornar a economia mais flexível, mais produtiva e mais competitiva. Esta observação já apareceu em outros documentos do BC.

Novo corte dos juros na próxima reunião do Copom, em setembro, é a aposta mais comum no mercado. Parece uma aposta segura, se nenhum desatino for cometido pelo governo e se o presidente Donald Trump, guru do colega brasileiro, resistir à tentação de incendiar o mercado global.