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Cracolândia: até quando?

Se recursos não faltam para enfrentar o problema, cabe indagar se falta determinação

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Por Notas & Informações
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Uma pesquisa rápida no acervo do Estado revelará um bom número de editoriais publicados ao longo de muitos anos nesta página sobre a chaga da Cracolândia. Não foram poucas as vezes em que aqui se tratou desta espécie de zona morta encastrada no centro da maior cidade da América Latina. A um só tempo, isto revela tanto a gravidade da questão como a incompetência, para dizer o mínimo, de sucessivos governadores e prefeitos de São Paulo para lidar com um complexo problema de natureza policial, social e de saúde pública.

À medida que o tempo passa e nada é feito pelas forças do Estado para dar um fim definitivo à Cracolândia, os criminosos que exploram a miséria física e emocional dos usuários de crack aprimoram suas técnicas de delinquência. Agora, de tão confortáveis que se sentem, inventaram um tal “carrossel da droga”.

A Polícia Civil de São Paulo identificou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) passou a vender crack em barracas, chamadas de “lojas”, em uma espécie de feira itinerante. Enquanto policiais ou agentes da Prefeitura entram por uma via do quadrilátero formado pela Avenida Duque de Caxias, Alamedas Cleveland e Barão de Piracicaba e Rua Helvétia, na região da Estação Júlio Prestes, um “salveiro” – indivíduo que emite um “salve”, que significa “alerta” na linguagem do crime – avisa os comparsas e, então, os traficantes levantam as barracas onde o crack é vendido à luz do dia e se movem para outro ponto da região. E assim vão, policiais ou guardas municipais perseguindo traficantes.

Em primeiro lugar, é inadmissível que o PCC, ou qualquer grupo criminoso, exerça controle sobre uma porção do território da cidade de forma tão desabrida. A facção domina a Cracolândia e não é de hoje. Só com o aluguel das cerca de 30 “lojas” e a venda de crack para os “locatários” – que têm a obrigação de comprar a droga direto do bando –, o PCC fatura, aproximadamente, R$ 200 milhões por ano apenas naquela área. O 77.º Distrito Policial (Santa Cecília) conduz uma investigação que, nos últimos seis meses, já levou à prisão de 15 pessoas. Entre elas está Lorraine Cutier Bauer Romeiro, jovem “influencer” de classe média com milhares de seguidores nas redes sociais que, segundo o inquérito, era “locatária” de uma das barracas do tráfico e chegava a faturar R$ 6 mil por dia.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), afirmou que o efetivo da Guarda Civil Metropolitana (GCM) na região da Cracolândia foi “dobrado”, de 80 para 160 guardas, e que “as barracas de venda de crack não serão mais admitidas no local”. Ora, e desde quando foram?

É inegável que a Cracolândia é a face mais evidente e degradante de um problema de fundo muito mais grave – a combinação de miséria social, desestruturação familiar e dependência química. Indubitavelmente, é um problema de difícil solução. E esta passa, necessariamente, por uma ação estatal coordenada que concilie assistência social, suporte psicológico aos dependentes, atendimento médico-hospitalar, inserção comunitária, reurbanização e, evidentemente, intervenções policiais. No entanto, em que pese a dificuldade, já passou muito da hora de a Prefeitura de São Paulo, com o apoio do governo do Estado nas ações de sua competência privativa, aviar soluções. Recursos para isto não faltam à metrópole, sejam financeiros, técnicos ou humanos. E se estes estão presentes, é de indagar se o que falta é determinação.

Este é o ponto fulcral da questão. As ações da Polícia Militar (PM) e da GCM enxugam gelo há anos. Ações pontuais – sejam de natureza policial ou assistencial – não produzem efeitos duradouros. A rigor, já não se pode nem sequer falar em uma Cracolândia depois de tanta tolerância com o intolerável, pois há ao menos 20 outras “mini-Cracolândias” espalhadas pela cidade de São Paulo. Quantas mais haverá no futuro próximo, a coragem das chamadas autoridades para enfrentar o problema vai dizer.