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Crescimento e agenda social

Um novo contrato social será construído com colaboração entre Estado e mercado

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Por Notas & Informações
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Ao expor até a raiz as divisões e desigualdades do mundo contemporâneo, a crise global precipitada pela covid-19 despertou questionamentos fundamentais sobre a natureza da globalização, seus efeitos e seu futuro. Instituições como o Fórum Econômico Mundial pregam um “grande reinício do capitalismo” e vozes centenárias do livre mercado falam em “revolução na política econômica” (The Economist) e “reformas radicais” (Financial Times) rumo a um novo contrato social.

Em seminário que contou com a participação do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, a Fundação FHC recebeu um dos mais destacados estudiosos da globalização, o professor de Harvard Dani Rodrik, para discutir as Políticas industriais, trabalhistas e comerciais para o século 21.

A integração econômica global acelerada após o fim da guerra fria teve como efeito colateral a desintegração doméstica em muitos países, aprofundando as divisões entre os perdedores e vencedores da competição global. Junto a fatores correlatos, como as novas tecnologias, a automação, a liberalização das políticas econômicas e os regimes de austeridade, a globalização criou “bolsões significativos de desprivilegiados”. Esta sensação de insegurança, somada às tensões desencadeadas pelas políticas identitárias da “nova esquerda”, constitui o principal catalisador da ascensão dos populismos autoritários de direita.

Sem prejuízo das discussões culturais, do ponto de vista econômico a grande alavanca capaz de pôr as democracias liberais e a globalização econômica nos eixos será, segundo Rodrik, a capacidade de colaboração entre o poder público e a iniciativa privada para criar “bons empregos”.

Há tendências comuns nas discussões sobre a agenda das novas políticas econômicas, como preparar a força de trabalho para novas tecnologias, melhorias nos programas de educação e mais integração entre eles e as demandas de trabalho. A pandemia, em particular, ressaltou a necessidade de aprimoramento da proteção social, especialmente para os trabalhadores da nova economia freelance e outras formas não usuais de trabalho. Na prática, isso demanda a elaboração de novas formas de negociação entre empregados e empregadores, além de mecanismos de tributação progressiva mais adequados para reduzir a desigualdade, e novas políticas antitruste, especialmente na esfera tecnológica.

Mas medidas como essas, embora necessárias, não são suficientes, uma vez que se dirigem a aspectos da pré-produção (como a educação) ou da pós-produção (como a transferências de renda), mas não corrigem as disfuncionalidades do sistema de produção contemporâneo, notadamente a deterioração das oportunidades de trabalho na faixa média do mercado, entre os trabalhos altamente qualificados e os de baixa qualificação.

“Uma nova ordem econômica exige um quid pro quo entre empresas privadas e autoridades públicas”, argumentou Rodrik em artigo recente. “Para prosperar, as empresas precisam de uma força de trabalho confiável e bem treinada, boa infraestrutura, um ecossistema de fornecedores e colaboradores, fácil acesso à tecnologia e um sólido regime de contratos e direitos de propriedade.” Os governos, por sua vez, “precisam que as empresas internalizem as várias externalidades que suas decisões voltadas para o trabalho, investimento e inovação produzem nas comunidades e na sociedade. E as empresas precisam cumprir sua parte na barganha – não em razão da responsabilidade social corporativa, mas como parte de um quadro de regulação e governança explícito”.

Não há fórmulas prontas para concretizar estes objetivos, e cada país precisará buscar soluções adaptadas ao contexto local.

“Incertezas profundas excluem remédios simples”, disse Rodrik no seminário. Mas uma coisa é certa: um novo contrato social não será construído pela revitalização do velho antagonismo, tão corriqueiro à esquerda e à direita, entre Estado e mercado, mas por meio de estratégias bem desenhadas de colaboração entre ambos. “Dito de forma simples, o crescimento econômico e a agenda social são uma só e mesma coisa.”