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Custo de vida versus consumo

Roído pela inflação, o poder de consumo é também reduzido pelos juros altos e o resultado geral é o crescimento travado

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Por Notas & Informações
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Sustentar a família, pagar a moradia e manter as crianças na escola está cada vez mais difícil, com os preços – em alta superior a 10% ao ano – devorando velozmente a renda do trabalhador. O custo de vida aumentou mais 0,99% em um mês, puxado principalmente pelos itens educação e comida, segundo a prévia da inflação de fevereiro. Em janeiro a variação havia sido de 0,58%. Ainda acelerada, a inflação só deve perder impulso a partir de maio ou junho, segundo estimativa do Banco Central (BC). Mesmo recuando, no entanto, ainda permanecerá muito alta, pelos padrões internacionais. Os novos números são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15), e cobrem o período de 14 de janeiro a 11 de fevereiro.

Empenhado em levar a inflação à meta no próximo ano, o BC manterá os juros muito altos. Atualmente em 10,75%, a taxa básica poderá chegar a 12,25% neste ano, de acordo com projeção do mercado. Também segundo o mercado, os preços ao consumidor devem subir 5,56% em 2022. Quatro semanas antes a variação projetada era de 5,15%. Poderá haver um recuo considerável em relação a 2021, quando o IPCA aumentou 10,06%. Medida pelo IPCA-15, a variação em 12 meses chegou em fevereiro a 10,76%. Mas a taxa de 5,56% ainda ultrapassará o teto da meta do IPCA, fixado em 5% e já muito alto. No Reino Unido, a inflação anual, bem acima dos padrões habituais, chegou a 5,1% em janeiro.

Desemprego alto, renda baixa, inflação acelerada e crédito caro devem dificultar a expansão do consumo. Mesmo com alguma redução, o desemprego dificilmente ficará, neste ano, abaixo de 10% da força de trabalho. Além disso, as condições do mercado provavelmente continuarão muito ruins. Quem conservar ou conseguir alguma ocupação só deverá obter, na maior parte dos casos, uma renda bem modesta e ainda sujeita, obviamente, à corrosão provocada pela alta de preços.

O consumo interno é o mais importante estímulo à produção da indústria e dos serviços. Com o consumidor empobrecido, sem crédito e sujeito aos danos da inflação, esse estímulo poderá continuar severamente limitado. O mercado externo seguirá absorvendo parcelas importantes das produções agropecuária e mineral, mas isso será insuficiente para garantir uma expansão econômica significativa.

Por enquanto, as projeções de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) são modestas. A mediana das estimativas do mercado demorou três semanas para subir de 0,29% a 0,30%, segundo a pesquisa Focus, produzida e publicada pelo BC. A última estimativa apresentada pela Fundação Getulio Vargas (FGV) aponta expansão de 0,6%. Poucos especialistas indicaram, até agora, expectativas mais otimistas, mas ainda contidas no limite de 2%.

Não há por que esperar do presidente Jair Bolsonaro alguma iniciativa séria contra a inflação, especialmente na disputa eleitoral. Em Brasília, só o BC, como já tem ocorrido, deverá empenhar-se numa política anti-inflacionária. Os juros continuarão emperrando os negócios, derrubando a inflação lentamente e travando o crescimento.