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CVM sob risco de paralisia

Com verba reduzida para menos da metade, a Comissão de Valores Mobiliários, órgão fiscalizador do mercado de capitais, perde capacidade de ação

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Por Notas&Informações
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A incompetência do governo Bolsonaro, em particular do Ministério da Economia, em buscar entendimento com o Congresso Nacional em votações vitais para o funcionamento do Executivo gerou, no mercado de capitais, um descompasso entre o volume expressivo das negociações e a capacidade de atuação do órgão que assegura a lisura, a transparência e a confiabilidade das operações. O corte de mais de 50% das verbas orçamentárias da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pode afetar de maneira significativa suas operações, com riscos para os investidores e para as empresas.

Em meio aos desdobramentos da pandemia, o mercado de capitais mostra um dinamismo expressivo. Estima-se que, no ano passado, mais 1,5 milhão de pessoas físicas passaram a operar nesse mercado, elevando o total para 3 milhões. Neste ano, até o dia 24 de março, houve entrada líquida de R$ 86,5 bilhões de capital externo na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo. Apesar de a atividade econômica estar patinando e a inflação estar em níveis preocupantes, o mercado acionário continua atraente para investidores estrangeiros.

Nesse cenário, a CVM está sendo obrigada a encolher, o que afeta sua capacidade de investigar indícios de crime e de punir infratores do mercado de capitais. Em choque com boa parte do Congresso, dominado pelo Centrão, o Ministério da Economia foi o grande derrotado nas negociações sobre o Orçamento da União. O Congresso reduziu em cerca de 60% as verbas do Ministério, o que incluiu o órgão fiscalizador do mercado de capitais.

Outra consequência da incompetência do governo nas negociações com os parlamentares, como mostramos no editorial Desleixo com as agências reguladoras (28/3), é o atraso na discussão e votação pelo Senado dos nomes apresentados pelo Executivo para compor as diretorias de diversas agências reguladoras e para outras funções que precisam da aprovação dos senadores. As agências são essenciais para a rigorosa fiscalização dos serviços prestados à população por concessionárias privadas de serviços públicos. Mas o presidente Jair Bolsonaro e parte de seus auxiliares mostram, mais de três anos depois da chegada ao poder, não ter entendido esse papel.

O despreparo do governo está sendo grave para a CVM. Criada em 1977, depois de uma séria crise que afetou a credibilidade do mercado de valores mobiliários, a CVM vem tendo papel decisivo para manter a transparência das operações nesse mercado e dar-lhes a confiança indispensável para atrair investidores. Como lembrou seu primeiro presidente, Roberto Teixeira da Costa, em artigo recente na revista Relações com Investidores, no qual mostra os riscos que o corte de verbas traz, em 45 anos de operação a CVM contribuiu para a internacionalização do mercado, que se transformou com a maior sofisticação dos usuários e intermediários, a chegada de novos produtos financeiros e outras modernizações.

O orçamento de que a CVM disporá em 2022 é o menor em 13 anos. Cortes de verbas não têm sido raros nos últimos anos. Em 2018, o gasto discricionário do órgão alcançou R$ 27 milhões; em 2019, R$ 25 milhões; e, em 2020, R$ 20 milhões. Em 2021, houve recomposição das verbas, que somaram R$ 26 milhões. Para 2022, porém, são apenas R$ 12 milhões, menos da metade do que a CVM dispunha no ano passado. Quando essa redução brutal de verba foi aprovada, a direção da CVM disse, em nota, que “o recorrente contingenciamento de recursos na última década vem aumentando, progressiva e continuamente, os riscos operacionais dos macroprocessos de supervisão e fiscalização”.

A CVM não realiza concurso público desde 2010. De 610 cargos aprovados, só 435 estão preenchidos. Há um déficit de 30% de pessoal. O corte brutal de verbas neste ano torna a situação ainda mais difícil.

A segurança de que os investidores necessitam exige uma CVM em condições de fiscalizar, disciplinar, prevenir falhas, punir quando necessário e desenvolver regras adequadas para as mudanças inevitáveis na economia mundial. Ela é essencial para a credibilidade do mercado de capitais. Só o governo Bolsonaro não vê.