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De ‘frouxos’ e ‘maricas’

Pelo critério bolsonarista de coragem, o general Pazuello acoelhou-se ao mandar avisar que não poderá comparecer à CPI

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Por Notas & Informações
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O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello mandou avisar ontem que não poderá comparecer a seu depoimento na CPI da Pandemia, marcado para hoje. A alegação, citada pelo presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), é que no fim de semana passado o general intendente teve contato recente com dois coronéis, seus auxiliares, que estariam com covid-19.

Conceda-se ao ex-ministro o benefício da dúvida. Afinal, pode ser apenas uma inusitada coincidência o fato de que Eduardo Pazuello tenha se dado conta de que pode ter contraído covid-19 logo às vésperas de seu esperado depoimento na CPI – em que seria inquirido sobre sua desastrosa administração no Ministério da Saúde durante a pandemia.

No entanto, à luz das muitas mentiras e distorções já manifestadas por autoridades do governo de Jair Bolsonaro a respeito da pandemia, não se pode condenar quem tenha dificuldade em acreditar no ex-ministro Pazuello.

Tudo soa especialmente falso diante do inaudito zelo do intendente, supostamente preocupado em não contaminar senadores. Nem parece o ministro que, quando esteve à frente da Saúde, jamais organizou campanhas estruturadas e sistemáticas para defender medidas de restrição e isolamento social, as únicas capazes de frear a contaminação, conforme consenso científico mundial. Nem parece o cidadão que passeava despreocupadamente sem máscara num shopping de Manaus há pouco mais de uma semana – embora tenha passado um ano como ministro da Saúde e, por isso, tinha a obrigação de saber que a máscara é a proteção mais efetiva contra o vírus. Flagrado, Pazuello preferiu ironizar quem lhe cobrava o uso da máscara.

Ou seja, o histórico do ex-ministro não combina com sua súbita conversão às medidas sanitárias preventivas, entre as quais a quarentena, à qual ele diz que agora vai se submeter, a um dia de seu depoimento na CPI da Pandemia. Se Eduardo Pazuello fosse firme defensor desses cuidados básicos quando era ministro, muitas mortes teriam sido evitadas. O intendente, contudo, preferiu ser absolutamente subserviente a Jair Bolsonaro, anunciando-se publicamente como humilde cumpridor de ordens do presidente.

Convém lembrar que Bolsonaro chamou de “frouxos” e “maricas” os brasileiros que se preocupavam em manter distanciamento social e respeitavam as restrições para conter a pandemia. Era preciso, disse o presidente, enfrentar a crise “de peito aberto”. Pelo critério bolsonarista de coragem, portanto, Pazuello acoelhou-se.

Na hipótese benevolente de que faltará a seu depoimento por singelo zelo sanitário, o ex-ministro estará apenas adiando a inevitável prestação de contas de seu horroroso trabalho à frente da Saúde, sob o comando supremo do presidente Bolsonaro. Ao final das duas semanas regulamentares de quarentena, e comprovada sua saúde, o intendente terá afinal condições de responder, sob juramento, aos questionamentos dos senadores.

Consta que o ex-ministro Pazuello passou os últimos dias sendo treinado pelo governo federal para enfrentar a CPI, cuja maioria não se alinha ao Palácio do Planalto. Entre os assessores de Bolsonaro há a preocupação, mais que justificada, de que o intendente, escandalosamente despreparado para a função de ministro da Saúde, seja incapaz de explicar aos senadores por que o governo preferiu apostar em remédios inúteis a comprar vacinas a tempo e hora, por que não fez campanhas de prevenção e em favor de medidas de isolamento social, por que não promoveu testagem em massa e por que não providenciou insumos e medicamentos para o tratamento de pacientes internados.

De fato, não será fácil para Pazuello encarar a CPI, razão pela qual a hipótese maldosa de que ele inventou uma desculpa esfarrapada para faltar a seu depoimento hoje, por medo, é perfeitamente factível, coadunando-se com o comportamento pretérito do ex-ministro. Seja qual for o desfecho dessa comédia imoral estrelada pela trupe bolsonarista, o lugar de Pazuello na história já está garantido. Como disse o Júlio César de Shakespeare, “os covardes morrem várias vezes antes de sua morte”.