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Decisão acertada

Governo entendeu que não é o momento de aumentar o imposto sobre alimentos.

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Por Notas & Informações
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Recuar de uma decisão, por reconhecê-la inadequada ou inapropriada naquele momento, é um gesto louvável do administrador público. Denota, da parte do gestor público, percepção das dimensões do impacto que tal decisão teria e de seu efeito nocivo, ainda que momentâneo, sobre determinados grupos sociais e setores da atividade econômica. Indica, sobretudo, o reconhecimento de que poderia estar cometendo um erro se a mantivesse e a coragem de evitá-lo. É assim que deve ser interpretada a decisão do governador do Estado de São Paulo, João Doria (PSDB), de suspender o corte de benefícios fiscais para determinados alimentos, remédios e equipamentos médicos.

Como mostrou o editorial Insensibilidade assustadora, publicado em 5/1, a medida, se mantida, prejudicaria as camadas de renda mais baixa, que gastam proporcionalmente mais com alimentos, e determinados grupos de pacientes.

O corte ou redução de benefícios fiscais sobre alimentos e produtos de uso médico é parte de um amplo conjunto de medidas que o governo do Estado de São Paulo propôs à Assembleia Legislativa em agosto do ano passado. As medidas foram justificadas por Doria como necessárias ao ajuste das finanças do governo do Estado, fortemente afetadas pelas medidas de enfrentamento da pandemia e pela crise econômica por ela provocada.

Os números que balizaram a proposição dessas medidas foram apresentados pelos secretários da Fazenda, Henrique Meirelles, e de Projetos, Orçamento e Gestão, Mauro Ricardo Machado Costa, e são impressionantes. Com base nas projeções da evolução da atividade econômica, os técnicos da área financeira do governo paulista estimaram as receitas totais de 2021 em R$ 214,99 bilhões. Já as despesas totais foram calculadas em R$ 225,4 bilhões. Daí resultaria um déficit estimado em R$ 10,4 bilhões neste ano.

Há vários meios de combater o déficit fiscal, e todos são conhecidos dos técnicos da área econômica do governo do Estado. Sua proposta de ajuste fiscal, transformada na Lei 17.293/20, lança mão de vários deles. Fazem parte dela, por exemplo, a extinção de várias entidades descentralizadas, com o objetivo de dar maior funcionalidade e mais leveza à administração estadual, e a alienação de imóveis. E há também medidas de natureza estritamente tributária, envolvendo aumento de alíquotas e redução de benefícios fiscais.

São, em geral, excessivas – e, em boa parte dos casos, distorcivas – as medidas de isenção ou benefício tributário utilizadas em todo o País, especialmente pela União. São notórios os casos de direcionamento das vantagens tributárias para socorrer segmentos econômicos, grupos específicos de empresas ou até mesmo empresas, todos selecionados discricionariamente pelo gestor público. Mesmo medidas de alcance aparentemente universal, entre elas as reduções tributárias, podem beneficiar mais alguns grupos de contribuintes do que outros. Uma reforma tributária justa poderia evitar esse tipo de perversidade das políticas de incentivos fiscais de diferentes naturezas.

As medidas permitidas pela lei de ajuste financeiro do Estado de São Paulo podem ser enquadradas no conjunto de providências destinadas a criar um regime fiscal mais justo e menos distorcivo. A inclusão de alimentos e produtos médicos entre os produtos que teriam elevada sua alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal tributo estadual, seria, assim, perfeitamente justificável do estrito ponto de vista do necessário ajuste fiscal do governo paulista.

Mas do governante lúcido e responsável deve-se esperar, além de perfeita compreensão da realidade financeira que precisa administrar, o entendimento da realidade econômica e social. Aumentar o preço da carne (8,9%), do leite (8,4%), do arroz e do feijão (1,9%) quando o desemprego continua a subir e a pandemia ressurge com vigor tornaria ainda mais difícil a vida das famílias mais pobres.

O governo João Doria entendeu que não era o momento para isso.