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Defesa da democracia deve respeitar a lei

O caso dos empresários bolsonaristas recorda a importância de o STF respeitar os limites de sua competência e dar a máxima publicidade possível aos seus atos. Sigilo é exceção

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Por Notas & Informações
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Em março de 2019, quando o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, anunciou a abertura de um inquérito criminal para apurar fake news e ameaças envolvendo o STF, este jornal defendeu a decisão, lembrando a competência do STF prevista no Regimento Interno, bem como o dever do presidente do Supremo de velar pelas prerrogativas da Corte. “O ambiente de liberdade assegurado pela Constituição não pode ser entendido como respaldo para ataques pessoais, ameaças ou difusão de notícias mentirosas”, dissemos neste espaço (O sigilo do STF, dia 16/3/2019). Ao mesmo tempo, no entanto, criticamos o caráter sigiloso do inquérito, pois nenhum motivo para esse sigilo havia sido apresentado.

Desde então, aquela investigação e outras relacionadas ao livre funcionamento das instituições democráticas ganharam especial relevância. As ameaças contra o Poder Judiciário e o regime democrático cresceram. Em várias ocasiões, houve envolvimento direto do presidente da República, de seus filhos e de ministros de Estado. Um episódio ocorrido em 2020 escancarou a desfaçatez do bolsonarismo. Ao se tornar investigado no STF, Abraham Weintraub, então ministro da Educação, simplesmente fugiu do País. Enquanto isso, o Congresso e a Procuradoria-Geral da República estiveram rigorosamente indiferentes ao tema. Nesse cenário de omissões, o Supremo teve papel especial na defesa da Constituição.

É de justiça reconhecer: o País tem muito a agradecer pela atuação do STF nos últimos anos. Sem se curvar a conveniências ou a pressões políticas, a Corte cumpriu seu dever de defender o Estado Democrático de Direito. De toda forma, por óbvio, esse reconhecimento não significa aplaudir tudo o que foi feito ou decidido pela Corte. O próprio Supremo reviu várias decisões suas no período, como a censura imposta aos sites da revista Crusoé e de O Antagonista em abril de 2019. Na ocasião, dissemos neste espaço que “não cabe à Justiça determinar o que é e o que não é verdadeiro, ordenando retirar – ordenando censurar, repita-se – o que considera que não corresponde aos fatos” (O STF decreta censura, 17/4/2019). O ministro Alexandre de Moraes revogou a decisão restritiva.

Nesta semana, a Polícia Federal, com a autorização do ministro Alexandre de Moraes, cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços de oito empresários bolsonaristas que, num grupo de WhatsApp, discutiam a hipótese de um golpe de Estado caso o petista Lula da Silva seja eleito presidente. Os sigilos bancário e telemático dos investigados foram quebrados e as contas nas redes sociais, bloqueadas. A ação suscitou diversos questionamentos e críticas.

Por ser uma investigação sigilosa, desconhece-se a motivação da decisão, tampouco suas circunstâncias específicas. De toda forma, vale lembrar que o Estado tem o dever de investigar indícios de crimes – a princípio, tal atividade não representa nenhuma violação das liberdades e garantias fundamentais – e que deve fazê-lo dentro da lei. Não cabem exceções. Sobre isso, um aspecto especialmente importante é o respeito à competência jurisdicional. Um dos grandes equívocos no âmbito da Operação Lava Jato – que depois suscitou diversas nulidades, algumas delas reconhecidas pelo próprio STF – foi uma compreensão especialmente ampla, muito além do que a lei determina, das competências da 13.ª Vara Federal de Curitiba. Não há razão para o STF incorrer no mesmo erro, atribuindo a si a competência para lidar com todas as ocorrências relativas à Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito.

A experiência da Lava Jato oferece outra importante lição sobre cumprimento da lei. Inquérito policial deve ter como objetivo a apuração de fato determinado e por prazo certo. Não é uma espécie de escudo de proteção a ser renovado indefinidamente enquanto houver risco de novos crimes.

Precisamente por ter sido – e continuar sendo – essencial na defesa do Estado Democrático de Direito, o STF deve ser o primeiro a zelar por sua autoridade. O caminho é a observância estrita da lei, motivando devidamente as decisões e restringindo ao máximo os casos de sigilo. A regra é a publicidade.