Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Defesa da lei e da democracia

A vigilância é sempre necessária. No recente processo de indicação do novo procurador-geral da República, ficou evidente a tentativa de impor nomes para o cargo, o que atenta contra a independência da instituição

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Por O Estado de S. Paulo
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Na última sessão de Raquel Dodge como procuradora-geral da República no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), vários discursos lembraram a elevada missão do Ministério Público. Como a Constituição estabelece no art. 127, compete-lhe “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Longe de ser uma questão protocolar, é de grande importância reafirmar, especialmente nestes tempos confusos, a missão institucional do Ministério Público, que deve submissão apenas à lei. O decano do STF, ministro Celso de Mello, lembrou que o Ministério Público é “o guardião independente da integridade da Constituição e das leis”. Ou seja, ele “não serve a governos, ou a pessoas, ou a grupos ideológicos, não se subordina a partidos políticos, não se curva à onipotência do poder ou aos desejos daqueles que o exercem, não importando a elevadíssima posição que tais autoridades possam ostentar na hierarquia da República, nem deve ser o representante servil da vontade unipessoal de quem quer que seja ou o instrumento de concretização de práticas ofensivas aos direitos básicos das minorias”, disse o ministro Celso de Mello. Para que o Ministério Público possa cumprir bem o seu papel de defesa da ordem jurídica, é imprescindível que ele seja de fato independente, não sujeito a interesses pessoais ou corporativos. “Sem um Ministério Público forte e independente na defesa dos direitos e das liberdades das pessoas e no combate à corrupção, os valores democráticos e republicanos propugnados na Constituição de 1988 estariam permanentemente ameaçados”, disse o presidente do STF, ministro Dias Toffoli. A independência do Ministério Público não diz respeito, portanto, apenas à instituição ou aos seus membros. Tal prerrogativa é do interesse de todos os cidadãos, pois, cumprindo sua missão institucional, o Ministério Público assegura a todos o exercício das liberdades e garantias fundamentais.  No período em que esteve à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR), Raquel Dodge, segundo o ministro Dias Toffoli, “fez uma defesa contundente das liberdades de expressão, de manifestação do pensamento, de reunião e de cátedra, bem como do pluralismo de ideias”. A vigilância é sempre necessária. No recente processo de indicação do novo procurador-geral da República, ficou evidente a tentativa, levada a cabo por uma associação de direito privado, de impor nomes para o cargo, o que atenta contra a independência da instituição. O Ministério Público está sujeito apenas à lei. A imposição de outras obrigações, seja qual for a sua natureza, é desviar o Ministério Público de seu caminho institucional. “Regimes autocráticos, governantes ímprobos, cidadãos corruptos e autoridades impregnadas de irresistível vocação tendente à própria desconstrução da ordem democrática temem um Ministério Público independente”, lembrou o ministro Celso de Mello. O motivo desse desconforto é evidente. Um Ministério Público atuante, submetido apenas à lei, é obstáculo para quem deseja atuar à margem da lei. Em seu discurso, Raquel Dodge fez um diagnóstico do panorama atual, que é também um alerta. “No Brasil e no mundo surgem vozes contrárias ao regime de leis, ao respeito aos direitos fundamentais e ao meio ambiente sadio também para as futuras gerações”, disse. São muitas as ameaças à ordem jurídica e à ordem democrática. Sem maiores pudores, vêm se difundindo em plena luz do dia agressões ao Congresso e ao Judiciário. “Nesse cenário, é grave a responsabilidade do Ministério Público, mas é singularmente importante a responsabilidade do STF”, disse Raquel Dodge. “Quero lhes fazer um pedido muito especial, que também dirijo à sociedade civil e a todas as instituições da República: protejam a democracia brasileira tão arduamente erguida em caminhos de avanços e retrocessos, mas sempre sob o norte de que a democracia é o melhor modelo para construir uma sociedade de mais elevado desenvolvimento humano”. Não há caminho alternativo. É apenas por meio da lei e da democracia que se promove o desenvolvimento do País.