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Democracia se ensina na escola

Em contraponto ao avanço do populismo e de lideranças autoritárias no Brasil e no mundo, é preciso que as redes de ensino, mais que nunca, promovam os valores da cidadania

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Por Notas & Informações
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A função da escola vai muito além do ensino de língua portuguesa, matemática e demais áreas do saber. Em tempos de tentações autoritárias e de crescente populismo, formar as novas gerações para o exercício da cidadania passou a ser um renovado desafio nas sociedades democráticas. No Brasil e no mundo, educadores têm se debruçado sobre o tema, no esforço de compreender − e de desconstruir − discursos irresponsáveis contra o Estado Democrático de Direito, além, é claro, de reagir a essa verdadeira marcha da insensatez. 

Em sua coluna do último domingo no Estadão, a jornalista Renata Cafardo tratou da recente contribuição de um grupo de professores de universidades europeias. Após analisarem os currículos de 14 países, eles não apenas constataram a necessidade do ensino de cidadania nas escolas, como sugeriram a criação de uma disciplina específica, com carga horária própria, a exemplo dos demais componentes curriculares. O objetivo seria abordar temas como o próprio conceito de democracia, o processo político e a participação da sociedade civil na definição dos rumos de cada país.

Os referidos professores integram o projeto Demos − sigla, em inglês, para Democratic Efficacy and the Varieties of Populism in Europe (Eficácia democrática e as variedades do populismo na Europa, em tradução livre). Vale notar que a pesquisa analisou currículos de países como Finlândia, Estônia, França e Bélgica, que têm alto desempenho no exame internacional da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Pisa, que avalia a aprendizagem de ciências, matemática e da respectiva língua dos estudantes.

Valorizar a cidadania é uma necessidade imperiosa nos dias de hoje, seja em países em desenvolvimento, como o Brasil, seja no chamado mundo desenvolvido. “O resultado dessa educação cívica são jovens com mais interesse por política, menos propensos a ideias populistas e com fortes valores de equidade, tolerância e autonomia”, escreveu Renata Cafardo a respeito das conclusões a que chegaram os professores do projeto Demos.

Infelizmente, noções elementares de organização das sociedades, bem como o pressuposto de que são os governantes que devem se submeter à lei e não o contrário, vêm sendo questionadas por líderes populistas e autoritários em diferentes regiões do planeta. É nesse contexto que ganha força a proposta de que as escolas promovam a cidadania − entendida aqui como os direitos e os deveres dos indivíduos perante o Estado, incluindo o direito de participação política, o que pressupõe a liberdade de expressão e a observância de regras, por todos, para a disputa do poder.

Em outra pesquisa, os professores ligados ao projeto Demos analisaram os sistemas de ensino de 18 países, destacando a importância do ambiente escolar para o fortalecimento de valores democráticos. Nesse sentido, é imperioso que prevaleçam atitudes de acolhimento e cooperação em contraponto a práticas de bullying e discriminação. Ou seja, a escola precisa ser um local onde o aluno não apenas se sinta seguro, mas acolhido em suas diferenças e especificidades. Isso requer o enfrentamento de todo tipo de preconceito, em razão da origem geográfica, da orientação sexual, da religião, da cor da pele ou de outras características físicas. 

Falar de cidadania nas escolas está longe de ser novidade. A atual Constituição já definiu, em seu Artigo 205, que a educação visa “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Antes dela, gerações de brasileiros tiveram aulas de moral e cívica. Nesta terceira década do século 21, o que se pretende é que as redes de ensino não apenas consigam transformar o texto constitucional em realidade, mas que façam isso em sintonia com o rol de competências que se espera ver nas atuais e futuras gerações de estudantes: autonomia, pensamento crítico e habilidades socioemocionais, juntamente com os conhecimentos tradicionais de que a formação escolar não pode abrir mão. Sim, a tarefa é gigantesca. Mais que nunca, porém, o futuro da democracia passa pela sala de aula.