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Demora inexplicável

É inacreditável que a Câmara – ainda falta a decisão do Senado – tenha levado tanto tempo para aprovar um projeto dessa natureza, que, entre outras providências, cria o Conselho de Gestão Fiscal (CGF)

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Por Notas & Informações
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Foi preciso que transcorressem 19 anos – praticamente duas décadas – para que a Câmara dos Deputados aprovasse, em 14 de maio, o projeto de lei que complementa a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e permitirá o estabelecimento de normas destinadas a evitar, entre outras consequências, o uso de artifícios contábeis para mascarar a situação financeira do setor público. É inacreditável que a Câmara – ainda falta a decisão do Senado – tenha levado tanto tempo para aprovar um projeto dessa natureza, que, entre outras providências, cria o Conselho de Gestão Fiscal (CGF). O projeto torna mais efetiva a aplicação da LRF, de 2000, que estabeleceu novos padrões para a gestão do dinheiro público.

Obedecidas as normas previstas no projeto, muito provavelmente se verá que a crise das finanças públicas, sobretudo nos Estados e nos municípios, é pior do que já se sabe. Talvez o projeto tenha ficado engavetado no Legislativo por tanto tempo exatamente pelo fato de tornar mais rigorosos determinados critérios para a administração das finanças públicas e para a contabilização dos resultados fiscais.

Mesmo com as severas normas fixadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal e com as restrições decorrentes do descumprimento de metas por ela estabelecidas, vários governos estaduais vinham apresentando mau desempenho financeiro. Em alguma medida esse desempenho decorreu da crise econômica, que fez cair a arrecadação pública em todos os níveis, mas em boa parte ele se deveu ou se deve a gastos excessivos com determinados itens, sobretudo os que se referem ao funcionalismo público.

O Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais 2018 publicado pela Secretaria do Tesouro Nacional em novembro do ano passado mostrou que, em 2017, 14 Estados superaram o limite de gastos com pessoal previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. A LRF estabelece que os Estados não podem comprometer mais de 60% de sua receita corrente líquida com esse tipo de despesa. Em relatório mais recente, o Tesouro Nacional constatou que, no ano passado, sete Estados descumpriram o limite de gastos com pessoal.

Os critérios de registros de gastos considerados com pessoal variam de Estado para Estado, em muitos casos com a concordância dos respectivos Tribunais de Contas. Em alguns casos, itens importantes de despesas com pessoal, como as com pensionistas, com Imposto de Renda Retido na Fonte e outras, não são contabilizadas como gastos com o funcionalismo, o que, obviamente, torna mais fácil para os respectivos governos o cumprimento dos limites da LRF.

Em seus relatórios, o Tesouro utiliza dados lançados nos Programas de Reestruturação de Ajuste Fiscal (RAF), criados em 2016 e que obedecem a uma mesma metodologia de avaliação de metas e compromissos. Há diferenças em relação a metodologias de cálculo e registro de dados aprovadas pelos Tribunais de Contas dos Estados e utilizadas nos Relatórios de Gestão Fiscal (RGF) enviados ao Tesouro.

É essa discrepância que o Conselho de Gestão Fiscal deverá eliminar, pois entre seus objetivos está o de harmonização das interpretações das normas relacionadas à responsabilidade na gestão fiscal. Outra de suas tarefas será disseminar práticas que tragam maior eficiência na utilização do dinheiro público, no controle da dívida dos governos e na transparência da gestão fiscal.

Em relação à proposta original encaminhada ao Congresso em novembro de 2000 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, o texto aprovado pela Câmara tem poucas alterações. Problemas formais, como a vinculação do Conselho ao Ministério do Planejamento prevista no texto original, tiveram de ser resolvidos, pois esse Ministério não existe mais. Houve mudanças na composição do CGF, mas que, em princípio, não afetam seu caráter técnico. Tudo isso torna ainda mais intrigante a demora na aprovação do projeto em caráter terminativo pela Comissão de Constituição e Justiça, isto é, sem necessidade de votação pelo plenário.