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Desarranjo nos EUA, mau sinal para todos

Juros em alta e risco de recessão na maior economia do mundo tendem a retirar dólares de emergentes, como o Brasil

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Por Notas&Informações
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Sinais de recessão nos Estados Unidos, a potência número um, são mais um alerta para um mundo já afetado pela guerra na Ucrânia e por efeitos ainda sensíveis da covid-19. No segundo trimestre o Produto Interno Bruto (PIB) americano diminuiu à taxa anualizada de 0,9%, de acordo com estimativa preliminar do Departamento de Comércio. No primeiro, o recuo havia sido de 1,6%. Os novos dados ainda serão revistos, de acordo com o procedimento normal, e depois disso os economistas poderão dizer se o país entrou, tecnicamente, numa recessão. Mas o cenário, mesmo sem essa revisão, é com certeza preocupante, especialmente por causa da inflação e das ações em curso para conter a alta de preços.

Uma nova alta de juros foi anunciada na quarta-feira pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), um dia antes da divulgação preliminar do PIB do segundo trimestre. Com a nova alta, de 0,75 ponto porcentual, os juros básicos ficaram no intervalo de 2,25% a 2,50% ao ano, o maior nível desde dezembro de 2018. Outros aumentos poderão ser necessários, indicou o presidente do Fed, Jerome Powell, para conter a maior inflação em 41 anos, de 9,1% nos 12 meses até junho.

A expectativa de maior aperto do crédito reforça o temor de economia mais estagnada. É essencial levar a inflação à meta de 2%, disse Powell, se se quiser sustentar por longo período condições favoráveis no mercado de trabalho. Será, segundo ele, a forma de cumprir o mandato de “promover o máximo de emprego com estabilidade de preços”.

Críticos do Banco Central (BC) brasileiro lembram, com frequência, o duplo mandato do Fed, mas geralmente esquecem dois detalhes. Primeiro, os condutores da política monetária brasileira normalmente levam em conta o objetivo do emprego, quando tomam decisões. Esse tem sido o padrão durante décadas. Segundo, o duplo mandato do Fed envolve a harmonização de dois objetivos, com destaque, quase sempre, para uma severa meta de inflação. A meta, lembrou Powell, é de 2%. Esse dado é essencial para definir o “máximo de emprego” possível.

Como lembrou o presidente do Fed, os indicadores têm apontado uma economia em marcha mais lenta, mas o desemprego continua baixo. Esse discurso é um evidente preâmbulo a um aperto maior da política de crédito, mesmo num cenário de atividade já arrefecida.

Segundo maior importador de produtos brasileiros, o mercado americano é especialmente relevante para o Brasil, pelos vínculos comerciais, financeiros e tecnológicos entre os dois países. Juros em alta e atividade contida nos Estados Unidos deveriam despertar cuidados em Brasília, se as autoridades estivessem mais ocupadas com os problemas do País.

Juros maiores na principal potência capitalista mexem com fluxos de capitais e retiram dólares dos emergentes. Esse movimento será intensificado, se o presidente Jair Bolsonaro aumentar a insegurança dos investidores. Maior inflação será uma das consequências, e o BC terá menos espaço para abrandar sua política, numa fase já muito difícil para a maioria dos brasileiros.