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Desemprego é mais que uma estatística

As 6 mil pessoas na fila do Mutirão do Emprego são o retrato de uma realidade que a frieza dos números não capta

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Por Notas & Informações
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Por trás das estatísticas de desemprego, milhões de pessoas vivem um drama que escapa à frieza dos números. Gente como a diarista Roseli Cavalcante, de 57 anos. Nesta semana, ela virou a noite no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, na esperança de conseguir uma vaga no Mutirão do Emprego, uma iniciativa do Sindicato dos Comerciários de São Paulo. Embora o atendimento só começasse na segunda-feira, ela chegou no domingo, por volta das 19 horas. Foi a primeira da fila. “Estava precisando trabalhar e decidi tentar”, contou ao Estadão, depois de uma longa espera e de enfrentar as baixas temperaturas da madrugada. “Parecia que eu estava congelando ali sem uma coberta, sem nada.”

Nos últimos dois anos, Roseli fez parte do universo de desempregados retratado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): 11,9 milhões de pessoas, no primeiro trimestre deste ano. Esse número, por si só assombroso, permite quantificar o grave problema que afeta famílias de norte a sul do País. Como toda estatística, porém, é um dado sem rosto, incapaz de traduzir o sofrimento de quem tenta e não consegue vaga no mercado. Para dimensionar os reais males do desemprego, é preciso lembrar sempre que, por trás de cada número, pessoas e famílias sofrem as consequências da falta de trabalho.

A trajetória de Roseli se confunde com a de milhões de brasileiros: demitida em 2020, no primeiro ano da pandemia de covid-19, ela deixou a empresa onde atuava na área de limpeza. Passou, então, a viver de bicos, como diarista. “E ia vendendo as minhas coxinhas, porque também faço salgados”, contou ela, que é moradora de Itaquera, na zona leste da capital.

O desemprego, como se sabe, tem impacto direto na qualidade de vida, desestruturando famílias e afetando a própria sobrevivência. Entre suas causas, há fatores conjunturais e estruturais, um deles a baixa escolaridade, uma das tantas mazelas da desigualdade brasileira. 

Nas escolas, um dos fatores de abandono e evasão, entre jovens, é a necessidade de trabalhar para ajudar financeiramente em casa, problema agravado durante a pandemia − e que, perversamente, contribui para reduzir a empregabilidade futura dessa parcela da população, na medida em que diminui sua escolaridade. No Brasil, os índices de desemprego vêm se mantendo elevados. Dentre os desempregados, há um grupo em situação ainda pior, formado por quem está há mais de dois anos sem ocupação, o que só dificulta qualquer possibilidade de recolocação. Essa era a situação de 3,4 milhões de pessoas no primeiro trimestre, o equivalente a 29% do total de desempregados no País.

O Mutirão do Emprego recruta trabalhadores para diferentes áreas. A edição mais recente, quando se projetava oferecer 10 mil vagas, é a primeira depois da pandemia. Só no primeiro dia, mais de 6 mil pessoas compareceram, muitas delas, a exemplo de Roseli, passando a madrugada na fila. O esforço da diarista foi recompensado: Roseli saiu de lá contratada por uma empresa de prestação de serviços, com carteira assinada. O País tem o desafio de encontrar caminhos para que essa cena se repita com milhões de outras pessoas.