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Desesperança para os sem-teto

Inflação atinge construção civil em cheio e custos travam Programa Casa Verde e Amarela, agravando o crônico déficit habitacional do País

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Por Notas & Informações
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As consequências da disparada da inflação são sentidas diariamente nas visitas aos supermercados e aos postos de combustíveis, que consomem uma parcela cada vez maior da renda da população. É fácil identificar os efeitos da subida dos preços no dia a dia, mas há também implicações de médio e longo prazos que agravam gargalos que o País finge enfrentar há décadas, como o déficit habitacional. Reportagem publicada pelo Estadão mostrou que materiais, serviços e mão de obra na construção civil subiram 13,8% no ano passado e já acumulam alta de 2,9% neste ano, segundo o Índice Nacional de Custos da Construção (INCC). O cenário teve forte impacto na construção de unidades habitacionais do Programa Casa Verde e Amarela, substituto do antigo Minha Casa Minha Vida, que busca atender famílias com renda entre R$ 2,4 mil e R$ 7 mil mensais. Entre janeiro e abril, apenas 68,8 mil imóveis se enquadraram nos critérios da política pública, menos da metade dos 140,5 mil do mesmo período de 2021. Se a média for mantida, os contratos não passarão de 206,4 mil até dezembro, nível mais baixo desde 2009, ano de seu lançamento.

Como o programa estabelece um teto máximo para o preço dos imóveis, o avanço nos custos da construção impede que as unidades se encaixem dentro desses limites e, consequentemente, que as famílias tenham acesso aos financiamentos mais baratos para adquiri-los. Às construtoras, resta assumir uma parte do prejuízo e conter perdas futuras, desistindo de projetos novos dentro do Casa Verde e Amarela e investindo em edifícios para nichos de renda mais elevada. A questão é que o Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) reservou R$ 65 bilhões ao programa neste ano, dos quais apenas 27% foram empenhados. Logo, como costuma acontecer com lamentável frequência no governo, sobram, não faltam, verbas para enfrentar o crônico déficit habitacional brasileiro.

Quem vê as luxuosas torres em construção no centro expandido de São Paulo talvez não imagine que o Casa Verde e Amarela representou 45% dos lançamentos e vendas do mercado imobiliário em 2021. Não é por outro motivo que as construtoras defendem aumentar os subsídios a que as faixas de menor renda têm direito nos financiamentos, de forma a compatibilizar as operações ao valor dos imóveis, ainda que isso diminua a quantidade de famílias potencialmente alcançadas pelo programa. Em paralelo, às vésperas do período eleitoral, o fantasma de demissões convenceu o Ministério da Economia a reduzir o imposto de importação sobre o vergalhão de aço, um dos principais insumos do setor, despertando a fúria da indústria siderúrgica.

Em 2019, a Fundação João Pinheiro estimou o déficit habitacional em 5,8 milhões de famílias no País, um conceito que abarca desde pessoas que gastam mais de um terço da renda com aluguel àquelas que vivem em habitações absolutamente precárias. A pandemia de covid-19 sem dúvida piorou o quadro e infelizmente não há sinais de reversão – os indicadores oficiais são defasados, mas basta um passeio nas ruas das principais capitais para observar a proliferação de barracas. Para cada situação é preciso buscar uma solução específica, algumas de caráter temporário. A Prefeitura de São Paulo propôs a criação de campings para moradores de rua, algo urgente para devolver um mínimo de dignidade aos sem-teto. Alguns municípios contam com o aluguel social e aproveitam imóveis vazios para destiná-los a pessoas carentes – e aos que apontam falta de recursos orçamentários, é bom lembrar que parlamentares e juízes contam com auxílio-moradia financiado pelos impostos pagos pela sociedade. É preciso retomar as contratações do Casa Verde e Amarela para a antiga faixa 1, com renda mensal de até R$ 2 mil, paralisadas há mais de três anos. E a articulação entre União, Estados e municípios é fundamental para que as ações tenham resultado efetivo. Ao contrário do que diz o presidente Jair Bolsonaro, não falta “visão de futuro” às pessoas que vivem em áreas de risco, mas certamente falta ao governo.