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Desmatamento exige urgência da Justiça

Pesquisa do Imazon mostra a enorme distância que separa o crime ambiental consumado e a efetiva responsabilização de quem praticou a ilegalidade

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Por Notas & Informações
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O combate ao desmatamento ilegal da Amazônia envolve atores variados. E a Justiça desempenha papel decisivo na responsabilização de quem derruba ou queima a floresta em desrespeito à legislação. Um recente estudo sobre as decisões de juízes de primeira instância nos nove Estados que compõem a Amazônia Legal, a partir de processos ajuizados pelo Ministério Público Federal (MPF) no programa denominado Amazônia Protege, mostra que o Judiciário, no caso de juízes de primeira instância, precisa acordar para a urgência da punição de quem promove o desmatamento ilegal.

O levantamento foi feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), uma organização da sociedade civil de interesse público. Ao mapear o andamento de 3.561 ações civis públicas movidas pelo MPF entre 2017 e 2020, o Imazon constatou a enorme distância que separa o crime ambiental consumado − a destruição da floresta − e a efetiva responsabilização de quem praticou a ilegalidade.

A pesquisa revelou que 650 ações (18% do total monitorado) haviam ensejado sentenças de primeiro grau até outubro de 2020. A partir desse universo de decisões judiciais já proferidas, os pesquisadores constataram que apenas 51 delas (8%) tiveram como resultado a condenação dos acusados na esfera cível. Nesse sentido, um outro dado reforça a preocupação diante dos entraves e da morosidade da Justiça para efetivar punições pelo desmatamento da Amazônia: das multas aplicadas nessas 51 ações em que os réus foram condenados, somente 2 já haviam sido efetivamente pagas, no valor total de R$ 42 mil, segundo o Imazon. As demais estavam em diferentes fases do processo, fosse aguardando o cumprimento da sentença ou o julgamento de recursos.

Por óbvio, a mera denúncia por parte do Ministério Público não significa que tenha ocorrido crime. Do contrário, não haveria necessidade da figura do juiz. Como se sabe, é da lógica processual que, ao Ministério Público, cabe submeter à Justiça os casos em que considera haver provas e indícios de crime − ao passo que, ao juiz, cabe o julgamento do mérito, isto é, se houve ou não ilegalidade. O mesmo vale para a fixação de multas e de indenizações: é comum que valores demandados pelo Ministério Público sejam reduzidos na decisão judicial, o que também foi detectado no referido estudo. 

Sem perder de vista tais considerações, porém, é inegável que os dados levantados pelo Imazon sugerem que algo parece estar escapando à percepção dos juízes de primeira instância. E o próprio estudo indica onde pode estar o problema: as ações civis públicas ajuizadas pelo MPF utilizaram imagens de satélites e dados públicos oficiais sobre as terras desmatadas, caso do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Aparentemente, no entanto, tal inovação não estaria sendo acolhida por boa parte dos magistrados de primeira instância. No caso das 650 ações já julgadas, 506 (78%) foram extintas “sem resolução do mérito”, ou seja, os juízes entenderam que o MPF não havia apresentado elementos que justificassem o prosseguimento dos processos.

Os pesquisadores foram além e analisaram o andamento de recursos em instâncias superiores do Judiciário. Aqui uma novidade importante: o Superior Tribunal de Justiça (STJ), de acordo com o levantamento, passou a validar provas obtidas remotamente, como é o caso das imagens de satélite. Eis um passo decisivo para o combate à impunidade. “A expectativa, agora, é que esse entendimento seja adotado de forma mais célere nas decisões em primeira instância”, afirmou Jeferson Almeida, pesquisador do instituto.

Ora, o planeta vive uma emergência climática, e isso não é novidade para ninguém. Com os olhos do mundo voltados para a Amazônia, é dever das instituições brasileiras aplicar a legislação e proteger o meio ambiente. Eis um desafio para todos os níveis de governo, para todas as Casas Legislativas e, sobretudo, para todo o Judiciário − de cuja atuação depende a responsabilização de quem desmata. A preservação ambiental passa também pela maior conscientização dos juízes.