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Dívida, inflação e estagnação

Quatro em dez pessoas com direito ao saque especial do FGTS pretendem usar o dinheiro para limpar o nome

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Por Notas&Informações
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Quatro em dez pessoas com direito ao saque especial do FGTS pretendem usar o dinheiro extra para limpar o nome e recuperar o acesso ao crédito, segundo pesquisa do Instituto Opinion Box em parceria com a Serasa Experian. Mais da metade desse grupo – 26% dos pesquisados – deverá liquidar contas de água, luz e gás, itens essenciais ao dia a dia das famílias. Ao decidir medidas desse tipo, facilitando a obtenção de recursos especiais, o objetivo das autoridades é normalmente estimular o consumo e repor em movimento a economia estagnada. Neste caso, o primeiro efeito notável será a reparação parcial dos danos causados aos consumidores, principalmente aos mais pobres, pela combinação do alto desemprego, do aumento de preços e da forte elevação dos juros.

Sem vigor nos últimos dez anos e sem rumo nos últimos três, a economia tem sido incapaz de proporcionar emprego à força de trabalho disponível. Além disso, grande parte da ocupação ocorre na informalidade e com remuneração tão baixa quanto insegura. Mais do que um recurso para elevar o padrão de consumo e a qualidade de vida, endividar-se passou a representar, para milhões de famílias, um meio de sobrevivência.

Em março, 77,5% das famílias consultadas indicaram ter dívidas a vencer, segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Foi a maior porcentagem registrada em 12 anos, isto é, desde o início do levantamento. Também foi recorde, para esse período, a parcela das famílias com débitos em atraso (27,8%). As endividadas eram 67,3% um ano antes. As inadimplentes, 24,4%. Também aumentou nesse período – de 10,5% para 10,8% – a fatia daquelas sem condições de pagar os débitos já em atraso.

O endividamento e a inadimplência aumentaram nos dois grandes grupos de renda, até 10 salários mínimos mensais e acima desse nível. No caso das contas em atraso, a expansão, em um ano, foi de 12,2% para 13,2% das famílias com ganho mensal superior a 10 mínimos e de 27,2% para 31,1% daquelas da faixa inferior.

A pesquisa mostra também uma piora da percepção do endividamento. As contas a pagar, dentro ou fora do prazo, pressionam fortemente os orçamentos. Em março, 30% dos ganhos estavam comprometidos com dívidas. Para 20,9% das famílias endividadas, esses compromissos correspondiam a mais de 50% da renda, o maior porcentual desde agosto do ano passado.

Os otimistas podem apostar em melhoras desse quadro, mas hoje há poucos sinais positivos. O Fundo Monetário Internacional aumentou a projeção de crescimento econômico do Brasil em 2022, mas a mudança foi de 0,3%, taxa estimada em janeiro, para 0,8%. Bancos também elevaram suas previsões, mas seis das nove registradas pelo Estadão na quarta-feira são inferiores a 1%. Só duas correspondem a 1% e uma a 1,5%. A taxa oficial de inflação chegou a 11,3% nos 12 meses até março, e qualquer baixa deverá ser muito gradual. Os juros devem continuar em alta, para conter os preços, e também isso dificultará a redução do endividamento e da inadimplência.