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Dívidas familiares no limite

Redução do nível de endividamento mostra que as famílias esgotaram a capacidade de tomar empréstimo

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Por Notas & Informações
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A decisão de contrair dívidas para antecipar o consumo ou aplicar no longo prazo, como na compra de um imóvel, é decisão que, em condições normais, denota confiança das famílias. Exigiria uma dose altamente reforçada de otimismo, ou de ingenuidade, no entanto, interpretar como confiantes as famílias brasileiras que, com intensidade poucas vezes vistas no passado, buscam empréstimos.

A proporção de famílias com dívidas alcançou 76,1% em janeiro, de acordo com pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). É um nível muito alto para os padrões normais. Um ano antes, estava em 66,5%. Diante dos problemas que o País enfrenta, seria irrealista atribuir esse nível a expectativas luminosas dos consumidores e da população em geral.

Baixo ritmo da economia – que, segundo as projeções dominantes, deve crescer menos de 0,40% neste ano –, desemprego alto, renda sob pressão e, agora, alta acentuada dos juros estão longe de formar um ambiente que instile confiança nas famílias. Esse conjunto, a que se acrescentam propostas que levam à deterioração das finanças públicas já abaladas pelos arranjos políticos do governo Bolsonaro para manter-se no poder, gera mais temor do que otimismo.

Boa parte das famílias recorreu a empréstimos para cobrir, com dívidas, despesas que sua renda regular não vinha cobrindo. Está-se observando uma pequena redução da proporção dos endividados. Em dezembro de 2021, a proporção de famílias endividadas era de 76,3%. Talvez haja novas quedas, mas o nível continuará alto. E, se não voltar a subir, é porque, segundo os responsáveis pela pesquisa, a capacidade de endividamento das famílias se esgotou. Elas não têm como tomar novos empréstimos.

Sinais de dificuldades para honrar compromissos financeiros, agora mais onerosos com a alta dos juros, começaram a surgir em junho do ano passado, quando o porcentual de famílias com contas ou dívidas em atraso, que caía desde o final de 2020, voltou a subir. Em janeiro de 2022, chegou a 26,6%, ante 24,8% um ano antes.

Outra indicação do aumento das dificuldades financeiras das famílias é o saldo das cadernetas de poupança. Se, de um lado, elevou os custos das dívidas, de outro, a alta dos juros reduziu os estímulos à aplicação em poupança, modalidade preferida por famílias de menor renda com alguma reserva financeira. Atualmente, com a taxa Selic em 10,75% ao ano, a poupança rende 6,17% (0,5% ao mês mais a taxa referencial, hoje fixada em zero).

A perda de atratividade é um fator poderoso para tirar dinheiro da poupança. Mas os saques de janeiro alcançaram o recorde histórico de R$ 19,666 bilhões, a maior retirada desde 1995, quando o Banco Central iniciou essa contabilidade. Houve vários momentos em que a remuneração da poupança esteve muito abaixo da taxa básica do Banco Central, mas os saques nunca haviam alcançado essa proporção. Agora, há o desemprego e a renda em queda. Retiradas da poupança e contratação de dívidas estão cobrindo buracos nos orçamentos das famílias.