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Dividir a carga do agronegócio

É preciso cuidar também da competitividade geral da economia

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Por Notas e Informações
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O principal fator de segurança do comércio exterior do Brasil fraquejou em janeiro, quando as exportações do agronegócio, no valor de US$ 5,83 bilhões, ficaram 9,4% abaixo do valor faturado um ano antes. Pela primeira vez em muitos anos o superávit comercial do setor, de US$ 4,61 bilhões, foi insuficiente para cobrir o buraco deixado pelos demais setores. No ano passado, como em muitos outros, o saldo contabilizado pelo agro bastou para fechar aquele buraco e deixar um robusto excedente nas trocas de mercadorias. Em 2019, o superávit de US$ 46,67 bilhões anotado na balança comercial foi possibilitado pelo excedente de US$ 83,08 bilhões obtido pelo setor mais competitivo da economia brasileira. Os novos detalhes de exportações e importações do agronegócio foram publicados nesta semana pelo Ministério da Agricultura. Com o recuo das vendas, o saldo comercial do setor foi 11,18% menor que o de janeiro de 2019. Como o déficit dos demais setores foi maior que esse valor, a balança ficou no vermelho, com um resultado negativo de US$ 1,74 bilhão. A tentação de ver esse resultado como um acidente pode ser forte. Na linguagem da moda, pode ter sido mais um ponto fora da curva. A tentação poderá ser irresistível se o resultado voltar ao azul no fim do mês.

Na primeira semana de fevereiro houve superávit de US$ 1,16 bilhão. Com isso, o déficit acumulado no ano já caiu para US$ 575 milhões. Os números parecem promissores e podem reforçar a disposição de mudar de assunto. Mas será mais prudente, com certeza, pensar um pouco sobre os números de janeiro.

Queda de preços foi o fator mais importante para a redução do valor exportado pelo agronegócio. Mas houve também diminuição de volumes. O índice de preços foi 7,4% menor que em janeiro do ano passado. O de quantidade vendida ficou 2,2% abaixo do nível de um ano antes. No caso de alguns produtos, como a soja em grão, os dois fatores se combinaram. No de outros, preços e volumes em queda atuaram de forma separada. As vendas de alguns alimentos, no entanto, foram favorecidas pelo aumento do volume e dos preços.

As carnes proporcionaram receita de US$ 1,35 bilhão, recorde para os meses de janeiro. O preço médio foi 12,9% maior que o de janeiro de 2019. A quantidade foi 15,9% superior à de um ano antes. Embora os preços tenham cedido no mercado interno, facilitando o recuo da inflação e aliviando os consumidores, os negócios externos prosseguiram num cenário de forte demanda e cotações elevadas.

Nem o setor mais eficiente e competitivo, o agronegócio, é imune a fatores fora de seu controle e do alcance do governo brasileiro. Exemplos desses fatores são a disputa comercial entre Washington e Pequim, o protecionismo crescente, a desaceleração da economia e do comércio globais e os problemas decorrentes de epidemias. É cedo para avaliar o possível impacto comercial do surto do coronavírus, mas já se especula sobre efeitos negativos em 2020.

O saldo comercial brasileiro já dependeu por muito tempo da eficiência produtiva e do poder de competição do agronegócio. O setor continuará produzindo volumes crescentes, contribuindo para a segurança alimentar do mundo e proporcionando bons saldos para o comércio brasileiro. Mas é preciso cuidar da competitividade geral da economia.

Isso inclui ações mais eficientes e velozes nos programas de infraestrutura. Inclui também atenção ao comércio de serviços, detalhe negligenciado, e aos problemas da indústria (sobre serviços, ver editorial

Serviços também mostram fraqueza no fim de 2019 na página B02). Não se trata, como se pensa simploriamente, de retomar a criação de campeões nacionais nem de distribuir incentivos irresponsáveis. Trata-se de ir além de slogans ideológicos e de olhar para o mundo real das empresas. Ao contrário do que parece pensar o ministro da Economia, há muito mais nesse mundo que os problemas dos encargos trabalhistas.