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Duas corporações vorazes

Magistrados e procuradores insistem que não são iguais aos demais cidadãos

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Por Notas e Informações
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A menos de duas semanas da entrada em vigor das novas alíquotas de contribuição aprovadas pela reforma da Previdência Social, prevista para 1.º de março, cinco associações de juízes e procuradores pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão da aplicação da alíquota de contribuição previdenciária progressiva dos membros do Judiciário e do Ministério Público.

Até o ano passado, a legislação estabelecia uma alíquota fixa de 11% sobre os vencimentos para quem entrou no funcionalismo público até 2013. Com a aprovação da reforma previdenciária, as alíquotas passaram de 7,5% a 22%, aumentando de acordo com a faixa salarial dos servidores. No final do ano passado, as mesmas associações de juízes e procuradores já haviam impetrado uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra essa mudança. Agora, apresentaram um pedido de medida cautelar. Movidas por integrantes das duas corporações, tramitam no STF outras ações contra a reforma previdenciária.

O que chama a atenção em todas essas medidas judiciais é sua fundamentação. Em vez de se limitar a apontar eventuais vícios jurídicos, os clubes de juízes e procuradores alegam que, com as novas alíquotas, a carga tributária sobre os salários de seus associados passará a ser de 46,5%, por causa da “cobrança simultânea do Imposto de Renda. Isso sem contar a tributação sobre o consumo e a propriedade”, o que “devorará mais de 50%” dos rendimentos das duas classes. Para seus membros, as novas alíquotas configuram uma “violação inadmissível às prerrogativas das corporações e às limitações ao poder de tributar, notadamente a vedação ao confisco sem base atuarial”.

Esses argumentos dão a medida do grau de irrealismo e desconhecimento da comprometedora situação financeira do poder público por parte de duas corporações que sempre foram as mais bem remuneradas do funcionalismo. Embora os vencimentos da magistratura e dos procuradores variem conforme os braços especializados do Judiciário e do Ministério Público, a média salarial das duas corporações é mais do que o dobro da média dos servidores do Executivo. Além disso, elas há muito se valem de variados artifícios para burlar o teto constitucional, de R$ 39.293,00. Graças a esses penduricalhos como auxílio-transporte, auxílio-livro, auxílio-paletó e até auxílio para quem trabalha em comarca de “difícil acesso”, no final de 2019 os 360 desembargadores ativos e os 400 aposentados do Tribunal de Justiça de São Paulo estavam recebendo R$ 56 mil por mês, em média, segundo reportagem do Estado. Em outros Estados, a média salarial da magistratura estadual é ainda mais alta. E como a maioria desses penduricalhos é paga a título de “verba indenizatória”, seus valores não são levados em conta no cálculo do teto do funcionalismo e para pagamento de Imposto de Renda, o que aumenta ainda mais os vencimentos líquidos dos membros da magistratura e das procuradorias, pois seus salários e benefícios são alinhados, em nome do princípio da isonomia.

Por isso, quando se queixam de que têm de pagar alíquotas previdenciárias mais altas e progressivas, os membros das duas corporações desprezam um princípio tributário básico – o de que quem ganha mais paga mais. E, quando se queixam de que custa caro pagar “simultaneamente” impostos sobre renda, consumo e propriedade e reclamam direitos que não são concedidos aos demais trabalhadores dos setores público e privado, desprezam um princípio elementar do Estado de Direito – o de que todos são iguais perante a lei.

O pedido de suspensão imediata das regras que aumentaram as alíquotas previdenciárias, levado ao STF por cinco associações de juízes e procuradores, não deixa margem a dúvidas. Para seus membros, justiça é um princípio que eles parecem esquecer, quando veem no cargo que exercem apenas um instrumento que lhes garante um bem-estar que é negado aos demais cidadãos.