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'É o que temos para hoje'

Ao anunciar a lista de metas para os primeiros 100 dias de governo, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, evitou falar da reforma da Previdência tão entusiasticamente defendida por seu colega de Ministério na Suíça

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Por O Estado de S.Paulo
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Mais de três semanas depois de assumirem seus cargos, integrantes do governo do presidente Jair Bolsonaro empenharam-se, na quarta-feira passada, na tentativa de demonstrar que têm noção da importância de sua tarefa e sabem o que pretendem fazer. Num evento nitidamente organizado às pressas - e talvez não por mera coincidência realizado logo depois do inusitado cancelamento de uma entrevista coletiva que o presidente da República e três ministros de Estado deveriam conceder no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça -, o governo apresentou um conjunto de ações consideradas prioritárias para os primeiros 100 dias de gestão. Numa lista de 35 itens, há iniciativas de grande relevância para equilibrar as contas do governo, dar mais eficiência às política públicas e estimular os investimentos privados. Outras foram apenas citadas, pois estão em fase embrionária de discussão e é incerto seu impacto sobre a administração pública, o desenvolvimento do País e a vida dos cidadãos. Curiosamente, uma lista tão ampla não inclui - nem mesmo como uma citação - a mais urgente e mais discutida das medidas que se esperam de um governo comprometido com a estabilidade econômica: a reforma da Previdência. Razão deve ter havido para a exclusão desse tema vital para a redução dos gastos do governo e para o equilíbrio a longo prazo das contas públicas e que foi enfaticamente exposto para diferentes plateias em Davos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Ao anunciar a lista de metas para os primeiros 100 dias de governo, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, evitou falar da reforma da Previdência tão entusiasticamente defendida por seu colega de Ministério na Suíça. Lorenzoni não quis confirmar nenhum ponto do que vem sendo discutido. “Se eu descer aos detalhes da proposta, eu obviamente entregaria aqui a estratégia, a tática e a lógica”, justificou-se para nada comentar sobre o projeto, que deve ser concluído “nas próximas semanas”. Isso ocorrerá após a nova cirurgia a que o presidente Jair Bolsonaro terá de se submeter e que já estava programada. Visto de fora do governo, não é fácil imaginar que alguém esteja em condições de “descer aos detalhes da proposta”, pois os sinais da área oficial são confusos, quando não conflitantes, sobre pontos essenciais, como idades mínimas de contribuição e de obtenção do benefício previdenciário e abrangência da reforma. Entre as metas está a independência do Banco Central, tema há muito discutido e que já constava da lista de 15 prioridades que o governo Michel Temer definiu no início do ano passado, depois da inviabilização da aprovação da proposta de reforma da Previdência como consequência do episódio envolvendo gravações de conversas dos donos do Grupo J&S. A medida assegurará ao Banco Central a liberdade necessária para definir a política monetária de acordo com critérios exclusivamente técnicos, sem pressões da Presidência da República e de outras esferas políticas. Igualmente relevante entre os itens que constam das metas do governo Bolsonaro é a viabilização do leilão dos excedentes da cessão onerosa do pré-sal, que pode render até R$ 100 bilhões. Outras medidas já foram adotadas na prática, como a medida provisória para combate a fraudes nos benefícios do INSS e o decreto de facilitação da posse de armas. Outras ainda apenas reforçam funções ou deveres do governo, como a imunização para evitar o ressurgimento de doenças atualmente controladas. E há outras sobre as quais pouco se sabe, como a implantação de um centro de testes para dessalinização no semiárido. É um conjunto que, como definiu Lorenzoni, não contém todas as medidas que a retomada do crescimento demanda. E as relacionadas “não são necessariamente as mais importantes, mas são aquelas que estamos divulgando agora”. É como dizem certos comerciantes quando o cliente reclama da falta de alguns itens: “É o que temos para hoje”.