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Eleições e fake news

A melhor defesa contra a desinformação sempre será a informação qualificada

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Por Notas&Informações
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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passará por seu maior teste em 2022. Esse foi um dos consensos obtidos entre os especialistas recebidos pelo Estado para debater o tema “Eleições e Fake News”.

Segundo o levantamento Manipulação Organizada das Mídias Sociais do Oxford Internet Institute, as milícias digitais, ou seja, atores governamentais ou partidários empenhados na manipulação da opinião pública online, estão se proliferando e se profissionalizando em todo o mundo. Num cenário em que os tradicionais limites à liberdade de expressão – calúnia, injúria e difamação – parecem insuficientes para proteger bens fundamentais, como eleições limpas, é legítima a pressão por mecanismos legais de combate à desinformação. O desafio é reprimi-la sem ferir a liberdade de expressão.

No afã de combater a desinformação, o risco é que o poder público crie mecanismos incompatíveis com a Constituição ou mais especificamente com os princípios norteadores do Marco Civil da Internet: a neutralidade da rede, a liberdade de expressão e a proteção à privacidade. Como disse Carlos Affonso Souza, do ITS Rio, há algumas “armadilhas” para 2022 que precisam ser desarmadas.

O projeto aprovado pelo Senado e em tramitação na Câmara da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, por exemplo, contém várias armadilhas, como a responsabilização das redes por conteúdo veiculado pelos usuários ou a pretensão de que elas atuem como juízes da verdade – validando, no limite, uma censura terceirizada. Com o mesmo açodamento, no Congresso tramita um projeto de Código Eleitoral com 900 artigos para valer já nas próximas eleições, sem que a sociedade tenha tido tempo de assimilar as propostas, muito menos de debatê-las.

Que a liberdade de expressão não é um valor absoluto foi outro consenso entre os participantes do debate. Mas o princípio fundamental a guiar os esforços de legisladores, juízes e mídias é que ela é a regra, e a supressão de conteúdos ou perfis, a exceção. “A liberdade de expressão é um enorme pilar da nossa democracia e sangra toda vez que um conteúdo é retirado”, disse Diogo Rais, do Instituto de Liberdade Digital. “A diferença é quanto ela vai sangrar e se vale a pena esse sangramento.”

Como especificou Diego Gualda, diretor jurídico do Twitter, as ferramentas de moderação não se resumem a deletar conteúdos ou remover perfis. “Elas têm se sofisticado e incluído ferramentas de contextualização e rotulagem.”

Outro princípio é que a autorregulação das mídias deveria ser a regra, e a regulação e a intervenção do Estado, a exceção. Naturalmente, é o Legislativo que define o que é lícito ou ilícito e é o Judiciário que aplica essa definição aos casos concretos. Mas, se ele é a instância definitiva de controle, não significa que deva ser a primeira e única, como sugerem certas propostas legislativas. “As regras da plataforma são como se fossem os primeiros socorros”, sugeriu Affonso Souza, “aqueles que vão prestar o primeiro atendimento.” Em casos de abuso na moderação de conteúdos, o Judiciário sempre pode ser acionado para revisar os procedimentos das mídias.

Em termos de legislação, de um modo geral as melhores propostas são aquelas que vão na direção não tanto do controle de conteúdo – o que pode facilmente degenerar em censura –, mas do combate a comportamentos abusivos. Em 2020, o próprio TSE firmou uma parceria com o Facebook com o objetivo de enfrentar comportamentos inautênticos nas redes, como o uso de perfis falsos e contas automatizadas. A desmonetização de canais sistematicamente empenhados em divulgação de conteúdo enganoso ou ataques a instituições também segue nessa direção.

Mas a melhor defesa contra a desinformação sempre será a informação qualificada. As mídias sociais “têm de trabalhar para reforçar aqueles produtores de conteúdo que fazem bem feito e seguem a técnica jornalística”, disse Manoel Fernandes, da consultoria Bites. “Faço aqui uma defesa intransigente do jornalismo profissional”, concluiu, “esse será o nosso antídoto com relação às fake news.”