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Em busca da estabilidade política

Antes de se falar em alternativas ao presidencialismo, é preciso continuar com as mudanças, ora em curso, que tendem a reduzir a fragmentação partidária

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Por Notas & Informações
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Em meio a um clima de grande apreensão em razão da instabilidade política promovida pelo bolsonarismo e do espectro do possível retorno de Lula da Silva à Presidência, os defensores do regime semipresidencialista entenderam que se trata de um bom momento para retomar o debate sobre esse sistema híbrido de governo, bem-sucedido em países como Portugal e França.

Com dois impeachments nas três décadas desde o restabelecimento da democracia e das eleições presidenciais diretas, e levando-se em conta que os presidentes que terminaram o mandato também foram ameaçados de afastamento, está claro que o atual sistema é propício a crises agudas. Há mais de uma centena de pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro, e tudo indica que o próximo presidente também enfrentará essa perspectiva sombria.

A instabilidade do regime presidencialista brasileiro é, portanto, evidente. Duas razões concorrem para esse tumulto permanente. A primeira delas está na generosidade da Constituição de 1988, que, a título de fazer justiça social por lei, criou as condições para a ocorrência periódica de crises fiscais, que por sua vez minam a capacidade política do governo de turno. A segunda é a grande fragmentação política, que obriga o presidente a articular coalizões em geral frágeis, cuja durabilidade depende diretamente da distribuição de verbas e cargos e é abalada ao menor sinal de risco eleitoral.

A experiência do governo de Michel Temer (2016-2018), contudo, aponta um possível “caminho do meio” para a tão desejada estabilidade. Nas piores condições imagináveis – em meio a uma grave crise econômica e política, na sequência de um traumático impeachment e com popularidade de apenas um dígito –, Michel Temer conseguiu as façanhas de sobreviver no cargo e de aprovar importantes reformas e ajustes que ajudaram a recolocar a economia nos trilhos e a estabilizar o País.

Isso foi possível, segundo escreveu o ex-presidente em artigo publicado no Estado (O semipresidencialismo, A2, 12/6), porque seu breve governo já teria sido uma experiência semipresidencialista. Sendo um político afeito ao Parlamento, Michel Temer inclinou-se naturalmente para um governo compartilhado com o Congresso, cerne do semipresidencialismo. “Chamei o Congresso para governar comigo”, disse Temer no artigo, que propõe uma emenda constitucional que instaure o semipresidencialismo a partir de 2026.

O ideal, a bem da verdade, seria a instauração do parlamentarismo, conforme se planejava nos debates para a Constituição de 1988. Mas esse sistema, em que o presidente é figura quase decorativa, enquanto o Poder Executivo é exercido na prática pelo Legislativo, já foi rejeitado em dois plebiscitos.

Resta, portanto, manter o presidencialismo atual, fragilizado diante de um Congresso com controle cada vez maior sobre a pauta política e o Orçamento, ou então tentar o sistema semipresidencialista – que, a despeito de ter funcionado bem no seu formato improvisado no governo Temer, também tem problemas.

No semipresidencialismo, o presidente nomeia o primeiro-ministro, que é quem efetivamente governa, e pode dissolver o Congresso em caso de impasses que travem a governabilidade, convocando-se novas eleições. O primeiro-ministro e seu gabinete sobrevivem caso consigam formar e manter maioria parlamentar. Para Temer, mesmo que haja grande fragmentação partidária, o Congresso se divide naturalmente entre situação e oposição. E, caso o primeiro-ministro caia, esse processo se dá sem os traumas do impeachment.

O problema é que tal sistema demanda partidos bem estruturados e disciplina partidária. Isso seria praticamente impossível hoje, e gabinetes poderiam ser derrubados a todo momento.

A rigor, partidos fortes são necessários em qualquer sistema de governo. Por isso, antes de falar em alguma alternativa ao presidencialismo, é preciso continuar com as mudanças, ora em curso, que tendem a reduzir a fragmentação partidária. Não surpreende que essas mudanças estejam sob ameaça de partidos que lucram com a instabilidade, vendendo seu apoio a presidentes fracos. Assim, não há sistema que funcione.