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Em defesa dos leilões no saneamento

Supremo Tribunal Federal não deve compactuar com Estados que buscam brechas para impedir licitações e manter monopólio no saneamento básico

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Por Notas&Informações
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Em vigor há um ano e quatro meses, o marco legal do saneamento básico já demonstrou seus primeiros resultados, com a realização dos leilões bem-sucedidos para a concessão de serviços no Rio de Janeiro, Cariacica (ES), Maceió (AL) e Amapá. Uma nova rodada, com cobertura de parte da zona oeste da capital fluminense e outros 20 municípios, está marcada para 29 de dezembro, com lance mínimo de R$ 1,16 bilhão e investimento em obras estimado em R$ 4,7 bilhões. São valores vultosos, e ao menos duas empresas já manifestaram interesse, segundo reportagem do Estadão/Broadcast.

Cerca de 35 milhões de brasileiros vivem em locais sem acesso à água tratada. Praticamente metade da população não tem acesso a esgoto sanitário, e dos sistemas existentes, 51% não são tratados de forma adequada. A entrada do setor privado é vista como fundamental para dar fim a essa simbólica mazela social. Levantamento da consultoria KPMG calculou que serão necessários R$ 750 bilhões em investimentos para que o País atinja a universalização.

É essencial, portanto, que o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeite as ações que questionam o novo marco, cujo julgamento foi iniciado na semana passada. De um lado, estão as empresas estatais de saneamento e partidos de oposição contrários à legislação. Do outro, o governo federal e a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon).

O pilar do marco é a abertura de um setor dominado por empresas públicas estaduais, cujos indicadores de cobertura expõem um fracasso incontestável. A nova lei exige a realização de leilão para a escolha do prestador de serviços de água e saneamento e impõe metas desafiadoras, mas não impossíveis: garantir, até 2033, o fornecimento de água potável para 99% da população; para a coleta e tratamento de esgotos, o índice a ser alcançado é de 90%.

Autora de uma das ações que serão julgadas pelo STF, a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) afirma que o marco inviabiliza a atividade das companhias públicas que atuam no setor. Um estudo da GO Associados apontou que pelo menos dez delas não atenderiam a um ou mais critérios exigidos pela nova lei e pelos decretos subsequentes. Para a entidade, ao proibir o fechamento de contratos sem licitação entre estatais e prefeituras, essa legislação se sobrepôs à Constituição, que não vedaria a prática.

A Advocacia-Geral da União (AGU), por sua vez, argumenta que o modelo anterior não proporcionou a eficiência dos serviços. O órgão mencionou ainda não haver privilégio no marco para as empresas privadas nem prejuízo às estatais, uma vez que todas as companhias interessadas poderão disputar as áreas em um processo licitatório sem diferenciação.

A concorrência incentiva a busca da eficiência, e é isso que alguns Estados querem evitar à custa dos cidadãos. Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima aprovaram uma modalidade que pode abrir espaço para um drible à licitação. Nas microrregiões, que reúnem municípios em um mesmo bloco de forma a evitar o abandono dos menos atrativos, a responsabilidade pelos serviços é dividida entre as prefeituras e o Estado. A estratégia é usar essa titularidade compartilhada para alegar que a região pode fechar contrato diretamente com a empresa estadual, dispensar os leilões e favorecer monopólios estatais com novos contratos de 30 anos.

É uma tentativa desesperada de dar sobrevida a empresas que já mostraram sua incapacidade para dar resposta aos desafios do País, com a qual o STF não deve compactuar. Saneamento não é uma questão política ou ideológica. Está mais do que comprovada a relação entre a oferta deficiente de serviços e a incidência de doenças. Em 2018, a iniciativa privada atendia 5,2% dos municípios, segundo a Abcon, mas foi responsável por 21% de todos os investimentos realizados naquele ano. Exigir licitações e metas para a prestação de um serviço não é capricho; é o mínimo que se espera do setor público.