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Equilibrismo com os juros

O Copom procura manter taxas compatíveis com a retomada enquanto a inflação avança, ameaçando estourar o limite de 5,25%

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Por Notas & Informações
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Maldição para milhões de famílias, a inflação superou 8% em 12 meses, ameaça romper o teto da meta no fim do ano e parece ter corroído, finalmente, o otimismo do Banco Central (BC). Ao anunciar a nova alta dos juros básicos, desta vez para 4,25%, o Comitê de Política Monetária (Copom) reconheceu: “A persistência da pressão inflacionária revela-se maior que o esperado”, fato já percebido pelas donas de casa. Foi o terceiro aumento consecutivo da taxa básica. Nas três ocasiões o acréscimo foi de 0,75 ponto porcentual. Repetiu-se o degrau, mas a menção a “choques temporários” sumiu dos parágrafos iniciais da nota emitida depois da reunião. Também desapareceu a referência a uma normalização “parcial” dos juros, presente nos dois comunicados.

Mais um ajuste de 0,75 ponto poderá ocorrer na reunião de agosto, segundo o informe. Como sempre, a decisão dependerá, segundo se ressalva, de novas informações. Mas já se aposta, no mercado, numa alta de 1 ponto porcentual. A previsão de 6,25% no fim do ano, indicada pela pesquisa Focus, do BC, pode estar superada. Já se fala em 6,50%.

No cenário do Copom as pressões devem continuar fortes. A influência das cotações internacionais de produtos básicos é bem conhecida. Além disso, é lenta a normalização da oferta, a demanda se mantém e a escassez de chuva favorece a alta das tarifas de eletricidade.

Ainda otimista quanto ao crescimento, o Copom, formado por diretores do BC, continua apontando uma evolução mais positiva do que se esperava, “apesar da intensidade da segunda onda da pandemia”. Mas fatos positivos, até no combate à pandemia, podem resultar em alta de preços. O texto menciona, entre os fatores de risco, a “resiliência da demanda”. Se a demanda se mantém, é porque alguma vitalidade permanece na economia, apesar do enorme desemprego, mas esse detalhe é ignorado.

Além disso, o comitê “segue atento” à evolução dos preços dos serviços “conforme os efeitos da vacinação sobre a economia se tornam mais significativos”. Esse é mais um perigo – imunização seguida de maior demanda de serviços. “Viver é negócio muito perigoso”, diz o sertanejo logo no começo de Grande Sertão, pronunciando a frase mais famosa do livro. “Sobreviver é inflacionário”, escreveria Guimarães Rosa se fosse membro do Copom?

O risco de inflação alta, segundo a nota, permanece, no curto prazo, “a despeito da recente apreciação do real”. Esse é um detalhe um tanto curioso. A valorização da moeda nacional é apontada como fator propício à moderação da alta de preços. Mas o evento oposto, a grande e persistente alta do dólar, desde o ano passado, nunca foi seriamente explorado, nos textos do Copom, como fator inflacionário. Muito menos se mencionou a responsabilidade do governo, especialmente do presidente Jair Bolsonaro, pela instabilidade cambial no último ano e meio. Essa responsabilidade, no entanto, sempre foi evidente para quem segue o dia a dia do mercado e o entra e sai dos investimentos e da moeda americana.

Também as “políticas fiscais de resposta à pandemia” são mencionadas como possíveis combustíveis da inflação. Essas políticas foram abandonadas no primeiro trimestre, juntamente com o auxílio emergencial, e redesenhadas de forma confusa a partir da aprovação do Orçamento, em abril. No primeiro trimestre a fome se espalhou entre os brasileiros abandonados e a retomada, embora recebida com festas no mercado financeiro, foi frágil e acidentada. Em vez de mencionar políticas de resposta à pandemia, a nota poderia, com maior realismo, apontar o risco, muito mais tangível, de gastos eleitoreiros para ajudar o candidato Bolsonaro em 2022.

Ressurge no fim da nota a referência a “choques temporários” sobre os preços. Isso reforça os argumentos a favor da “normalização” da taxa de juros. Mas a “normalização” continua moderada, porque o Copom procura manter taxas compatíveis com a retomada econômica. O equilibrismo continua, enquanto a inflação avança, ameaçando estourar o limite de tolerância de 5,25%.